Fundação é denunciada por maus-tratos aos animais atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana

Claudiano dos Santos, atingido de Bento Rodrigues, recebeu uma foto de um dos cavalos com ferimentos no olho. Alguns dias depois, o animal ficou cego. Ao lado, alimentação para os animais deixada em espaço aberto (Fotos: Caritás/Marta de Jesus)

A Cáritas Regional Minas Gerais denunciou a Fundação Renova ao Ministério Público de Minas Gerais por problemas relacionados aos cuidados com os animais atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A denúncia foi construída com as comunidades por meio da assessoria técnica às atingidas e atingidos da Cáritas.

A Renova é acusada de descumprir uma série de acordos, principalmente no que diz respeito ao fornecimento de alimentação: o envio de comida insuficiente ou inadequada tem causado fome e até a morte de animais, configurando uma grave situação de maus-tratos.

Após o rompimento da barragem de Mariana foram assinados diversos acordos em que as mineradoras Samarco, Vale e BHP se responsabilizavam pelos cuidados aos animais atingidos. Um dos mais importantes diz respeito ao fornecimento de alimentação adequada, mas as famílias atingidas têm reportado problemas desde 2017. Elas relatam que os alimentos precisam ser buscados em grandes distâncias ou não são entregues no prazo.

Em muitos casos, recebem quantidade insuficiente para os animais e não conseguem adquirir alimento extra na região em razão da escassez provocada pelo desastre e da queda na renda das famílias. “Agora a silagem tá vindo, mas sempre quando atrasa aqui, atrasa para todo mundo também”, destaca Marta de Jesus Peixoto, atingida de Paracatu de Cima que já enfrentou períodos sem receber a alimentação animal e, por vezes, recebeu trato estragado para os animais.

Falta de feno 

A situação se agrava quando se trata de cavalos que precisam comer feno, alimento que a Renova deixa faltar. Como consequência, alguns têm submetido seus cavalos à substituição do feno por silagem (alimento fermentado prejudicial para o aparelho gastrointestinal de animais não ruminantes), não recomendada por gerar problemas nas articulações e prejuízo na locomoção dos animais. Mesmo com essa substituição, os animais ficam desnutridos, o que tem provocado abortos nas éguas.

Em novembro de 2020, os atingidos foram surpreendidos com a informação de que a Fundação Renova não forneceria mais o alimento. Ao invés disso, ela iria depositar o valor do auxílio emergencial da alimentação animal em conta. “Quando a Renova queria dar o dinheiro, aí ficou muito tempo sem a silagem aqui”, afirma Marta. A Fundação recuou após forte crítica das famílias atingidas, que conseguiram um acordo junto ao Ministério Público para que a medida fosse aplicada apenas para quem quisesse. Na ocasião, ela também se comprometeu a não deixar faltar alimento para os animais.

A promessa não foi cumprida: em 10 de dezembro de 2020, a Fundação Renova não entregou o alimento aos atingidos, alegando que não tinha contratos de fornecimento vigentes e que seria necessário cotação, contratação de fornecedor, entre outras ações que não foram feitas em tempo hábil.

Outro problema diz respeito à infraestrutura dos terrenos em que muitas famílias foram alocadas “provisoriamente”. Os locais apresentam erosões, pastos subdimensionados, problemas com cercas e currais ou estão distantes de onde os animais foram alocados. Para a família de Marta, a falta de lugar apropriado é um problema. “Não tem lugar de guardar o trato porque a Renova não fez o curral pra nós ainda. A silagem tem que colocar no tempo e tampar com plástico. Eles argumentam que enquanto não fizer nossa casa não pode fazer nosso curral”, indigna-se a atingida.

Deixados para trás e mortos durante o transporte 

Segundo a Cáritas, a Renova ignora a relação entre as pessoas e animais. Um exemplo é o caso da família Cerceau, que se mudou de Paracatu de Baixo em 2019. No suporte para o transporte dos animais, a Fundação deixou cinco galinhas, uma pata que estava chocando e alguns pintinhos para trás. “Não voltaram para buscá-los, e alguns pintinhos morreram no transporte”, relata Naife Cerceau. Mesmo após solicitar, a família nunca recebeu a silagem, e como consequência, os animais ficaram desnutridos.

Animais que foram levados para uma fazenda em Barra Longa, sob responsabilidade da Fundação Renova, também estão em risco. Há relatos de atingidos que viram animais magros, sem aparo da crina e com casco desgastado. A situação piorou durante a pandemia de covid-19.

Claudiano dos Santos, atingido de Bento Rodrigues, recebeu uma foto de um dos seus cavalos com ferimentos no olho. Alguns dias depois, o animal ficou cego. O atingido suspeita que isso tenha ocorrido pelo fato do equino estar no mesmo piquete com outro garanhão, ação não recomendada porque podem se machucar com coices. Claudiano não recebeu nenhuma explicação.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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