Hábitos de consumo não são imutáveis

Fotógrafo Jan Van Ijken registra práticas usuais na criação de suínos – sofrimento decorrente do corte de dentes e caudas nos primeiros dias de vida dos leitões

Não acredito em imutabilidade em relação a hábitos de consumo. Portanto, não creio na impossibilidade de mudança quanto ao consumo de animais e produtos de origem animal.

Posso falar em predisposição ou não à abstenção, posso falar em maior ou menor sensibilidade em relação a uma mudança motivada pelo reconhecimento do sofrimento dos animais. Isso ajudaria?

E o que é tal reconhecimento? Admitir que existe? Muitas pessoas podem admitir que o sofrimento animal existe em nossas relações de consumo, mas nem por isso adotar mudanças.

Será que são insensíveis? Alguém poderia dizer isso. Será que falta-lhes algo que me motiva, mas não as motiva? Seria outro apontamento. Reconheço que o impacto que uma realidade tem sobre mim, não é o impacto que terá sobre o outro.

Não existe equivalência. Mesmo entre pessoas que abdicam do consumo de animais e produtos derivados e definem isso como empatia, compaixão, consciência ou busca por justiça ou respeito menos seletivo e menos moralmente antropocêntrico, não há uniformidade motivadora de igualitária intensidade – porque a minha experiência não é a do outro, nem a dele é a minha.

Podemos reunir dez veganos em um lugar, e suas experiências sobre o que os levaram por esse caminho, por mais similares que pareçam, não são as mesmas. Alguém pode dizer: “Foi igual comigo!”

Na realidade, não foi. Há especificidades que tornam nossas experiências singulares; e essas experiências têm motivadores plurais, e mesmo quando julgamos que não em especificidade, a terão em variável intensidade.

O que existe é uma capacidade de identificação em relação ao outro, e essa identificação sustenta-se no compartilhamento de similitudes, já que o sentimos e como sentimos em relação a algo, como por exemplo, o sofrimento animal, não é serializado.

Observado isso, como esperar que quem não é vegano carregue os meus próprios olhos e veja os animais como vejo? Isso não é possível, e não espero que essas pessoas os vejam como vejo, mas posso crer que há possibilidades de que amanhã ou depois elas possam vê-los às suas maneiras – uma maneira diversa à atual, de um reconhecimento que não seja irreconhecimento ou estranhamento.

Porque entendo que quando não atribuímos aos animais valores que nos motivem a mudar nossos hábitos, é porque ainda prezamos por um estranhamento; uma ideia que, de repente, pode não ser encarada como superioridade, e sim como um critério de diferença que coloque o outro, não humano, em situação desvantajosa de não interesse nosso em uma mudança em relação à sua experiência de estar no mundo.

É fácil atacar pessoas que não compartilham da minha percepção, mas quando faço isso devo esperar que suas percepções mudem e, como num passe de mágica, manifestem desinteresse pelo consumo de animais e derivados?

Entendo também que as pessoas podem sentir-se muito incomodadas com a realidade dos animais e o fato de vivermos em um mundo em que uma minoria os reconhece como “não produtos” ou “criaturas que não deveriam existir para nosso uso e abuso”.

Porém, as mudanças também dependem do diálogo e do tipo de experiência que podemos proporcionar aos outros a partir de nossas mensagens e formas de expressão.

O que entendo em relação ao outro, que, de repente, pode ser até alguém que debocha do sofrimento dos animais, é que ele manifesta uma ação de provocação, e provocar também é uma forma de manifestar contrariedade que pode evocar também insegurança ou impercepção que vem do estranhamento.

Devo reagir a ataques? Por quê? Um ataque também pode ser um embate consigo, gerado por desconforto que ressoa algo dentro de mim, que desconheço ou não. Continuo acreditando que não existe tal coisa como a imutabilidade, considerando que seres humanos são criaturas em transformação.

Não digo que todas as pessoas podem mudar seus hábitos a partir de uma possibilidade próxima ou distante de não estranhamento e de reconhecimento em relação aos animais, mas abordo essa questão porque o mundo é um lugar onde transformações viscerais podem acontecer na vida de alguém a qualquer momento.

Como criaturas humanas, somos receptores diários, e o que recebemos, e como recebemos, pode hoje, amanhã ou depois mudar quem somos.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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