No livro “Por que olhar para os animais?”, o escritor e crítico inglês John Berger, vencedor do Booker Prize, propõe uma reflexão sobre as consequências das mudanças nas relações dos humanos com outros animais ao longo da história.
Entre os apontamentos feitos por ele está o de que o zoológico só pode ser uma decepção, porque é o lugar onde o encontro do ser humano com outros animais é irreal, em consequência de tudo que é antinatural que pesa sobre o viver desses animais.
Logo o zoológico é, segundo o autor, onde encontramos a consequência última da marginalização do animal. Afinal, ainda que o animal esteja supostamente em evidência, pela exposição, o zoológico é o lugar onde o animal é reduzido e transformado pelo espaço.
Berger inicia a reflexão lembrando-nos que no século 19 os zoológicos surgiram para subscrever o poder colonial moderno. “A captura de animais era uma representação simbólica da conquista de terras distantes e exóticas. ‘Exploradores’ davam mostra de seu patriotismo enviando um tigre ou um elefante à metrópole” (2021, p. 35).
O autor aponta que mesmo que o zoológico legitimasse a ideologia do imperialismo, sua promoção era de que ele tinha uma função independente e cívica; claro que também para parecer menos arbitrário do que era ou menos opressivo do que era.
“Reclamava para si o estatuto de museu, de outro tipo, por certo, cujo propósito era promover o conhecimento e o esclarecimento do público. Assim, as primeiras questões destinadas aos zoológicos vieram da história natural: pensava-se, na ocasião, que era possível estudar a vida dos animais mesmo em condições tão artificiais” (p. 36).
Além de haver nisso uma impossibilidade, porque a vida em confinamento é, para o animal, completamente diferente da vida em liberdade, pelas imposições que afastam o animal de um verdadeiro viver, mais condizente com a sua própria natureza e interesses, os zoológicos deram origem a outras práticas comerciais.
Segundo John Berger, a confecção de bonecos realistas de animais coincide com o estabelecimento dos zoológicos. “Essa nova demanda por verossimilhança nos brinquedos acarretou diferentes métodos de manufatura. Produziram-se os primeiros animais estofados, e os mais caros eram revestidos de pele verdadeira – em geral de bezerros natimortos” (p. 37).
Ou seja, mesmo que as peles não fossem dos mesmos animais, eram de outros animais, domésticos, criados e também submetidos aos interesses humanos de exploração e consumo. Ainda que fossem peles de animais natimortos, o próprio lugar determinado aos bezerros como animais criados com base no interesse de consumo humano permitiu que suas peles fossem usadas para outros fins.
O grande interesse por brinquedos realistas, conforme Berger, também influenciou o aumento da demanda pelo que ele chama de “novos fantoches animais”, que são o que ele também chama de “pets urbanos”.
Mas retomando a questão do zoológico, Berger observa como há uma desconexão entre o espectador e o animal, mesmo que o interesse humano seja exatamente por esse encontro; e que não pode, em um sentido interacional baseado no desejo humano, ser chamado de um encontro:
“O zoológico só pode ser uma decepção. A proposta dos zoológicos é oferecer aos visitantes a oportunidade de olhar para os animais. Mas, uma vez lá dentro, em nenhuma parte o visitante poderá encontrar o olhar do animal. Quando muito, um olhar brilha de passagem. Eles olham de esguelha. Cegos, olham para além de nós. Escrutinam, mecanicamente. Foram imunizados contra o encontro, porque nada mais ocupa um lugar central na atenção deles. É essa a consequência última de sua marginalização. Aquele olhar entre o animal e o homem, que possivelmente teve um papel crucial no desenvolvimento da sociedade humana, […] extinguiu-se. Quando olha cada animal, o visitante desacompanhado do zoológico está sozinho. Quanto às multidões, elas pertencem a uma espécie que acabou por se isolar. Essa perda histórica, da qual os zoológicos são um monumento, é uma perda irredimível para a cultura do capitalismo” (p. 41).
Esse apontamento feito por Berger surge também porque o animal foi tirado do animal, tornando-o uma espécie de ausência, ainda que possa ser visto; mas que no interesse em relação ao outro passa a prevalecer um vazio como consequência do que tudo passa a ser mecanicidade e arbitrária rotina. Para o animal, do que não é natural, abstrai-se também o que é encontro, o que é, espontaneamente, relação.
“Não importa como olhamos esses animais – se estão próximos às grades, a menos de meio metro de distância, encarando o público -, estamos olhando para algo que se tornou absolutamente marginal, e por mais que nos concentremos, nada será capaz de lhe devolver a centralidade. Por quê? Dentro de certos limites, os animais são livres, mas tanto eles quanto seus espectadores estão cientes desse confinamento. A transparência através do vidro, os espaços entre as grades ou o ar acima do poço não são o que parecem – se fossem, tudo seria diferente. Transparência, espaço e ar foram reduzidos a simulacros” (p. 38).
John Berger também conclui que o isolamento e a não interação entre espécies levaram a uma dependência que afetou a capacidade de reação dos animais. “Aquilo que antes o movia foi substituído pela espera passiva de uma série de intervenções externas. Suas respostas naturais a eventos que percebiam ao redor se tornaram tão ilusórias quanto as pradarias pintadas nas jaulas” (p. 39).
Referência
BERGER, J. Por que olhar para os animais. 1. ed. São Paulo: Fósforo, 2021. 104 p.
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