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Leite tem gosto de violência

Foto: We Animals

Leite deixa um gosto estranho, um gosto que posso dizer que não é de leite, mas que vem do leite. E sendo do leite, então não é o gosto do leite? É gosto de vaca, de bezerro, de quem vive e de quem morreu.

Não sou bezerro. Por que a vaca me daria seu leite? Um dar que nunca é dar. E vive para o leite. Não por escolha, por ausência dela. Gestar, lactar, um intervalo para outro gestar. Deve continuar a lactar.

Mortes vão acontecendo, mas não é acontecimento, é fato comum, sem estranheza. Quem é gerado vai primeiro, quem gerou vai depois. Sexo errado. Se certo, é a filha que substitui a mãe nesse ciclo interminável.

De repente, que nunca é de repente, o vigor vai embora pra não voltar. Sente-se cansada e deita no chão de concreto. Escorre a última sobra de leite. Sobra? Mistura-se com urina e fezes.

Forma caminho sinuoso. Pata já não toca o chão.

“Não funciona mais”
“Enfermidade ou doença?”
“Não compensa”

Corpo cansado sobre o concreto desaparece.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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