Lição para não comer frango

Pintura: Ryohei Hase

Colocou um prato com frango sobre a mesa. Apenas frango e mais nada. Só a carne interessava. Esqueceu talheres. Apetite era tão grande que quase usou só as mãos. Mas não. Quando voltou, o prato já não estava onde deixou, virou.

E o frango corado de tempero e levemente tostado, formando estranha película? Caído doutro lado da mesa. Ó! Como? Olhou para o gato e pensou em culpá-lo, mas o bichano continuava deitado, espalhado por um tecido grosso e macio a poucos metros da mesa, e demonstrava desconexão com a cena.

Quem então? Coçou a cabeça. Deixa pra lá. Colocou de volta no prato, analisou e não encontrou marcas de nenhum tipo. Não. Engano meu, uma pequena cicatriz. Como? Cicatriz na carne? Quando ameaçou enfiar o garfo, saltou e caiu.

Ó! Agora eu vi. Não estava mais no chão. Debaixo da mesa? Também não. Atrás da cadeira? Ouviu som estranho e sentiu algo tocando-lhe as pernas. Não era algo. Ó! Como é suave um toque de pena. Pena? Um frango! Corria de um lado para o outro. Como pegá-lo? Por que pegá-lo?

Um frango em casa era coisa absurda. Vivo! Vivo! Vivo! Afeiçoou-se à ideia de coisas que não são coisas nascendo mortas. Geladeira sempre cheia delas e pensava na embalagem como invólucro de nascimento. Por que não? É aprazível facilitação.

O frango parou de correr e olhou em seus olhos. Não retribuiu porque achou que fosse alucinação. Abriu e fechou os seus várias vezes e o frango não desapareceu. Ora, ficará aí até quando? Estava disposto a ouvir o que a ave tinha a dizer, mas não disse.

Começou a sangrar sem parar. Suas penas mudaram de cor e suas partes caíam como peças desmontadas por golpes invisíveis. Já cobria o piso de vermelho e encostava em seus dedos.

Sangue o incomodava desde criança. Não ouviu gemido, som de nenhum tipo – e tudo que não ouviu lá fora transformou-se num berro dentro de si, mas que não reconheceu como seu.

Porque não é sobre mim? Mirou o gato. Para ele, nada tinha mudado. Quis recolher o frango. É isso! Que frango? Não havia frango – no chão nem na mesa. Abriu a geladeira e sentiu alívio. Todo mundo tinha desaparecido.

Gosta do trabalho da Vegazeta? Colabore realizando uma doação de qualquer valor clicando no botão abaixo: 




Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *