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Em Lima Barreto, homem cruel com animais é vítima da própria crueldade

Em conto do escritor carioca não há tempo para redenção

No conto “O Caçador Doméstico”, Lima Barreto conta a história de um homem cruel com animais e que é vítima da própria crueldade.

Nela, Simões, que é descendente de uma família que um dia manteve mais de mil escravizados, articula para si, após o abolicionismo, uma expressão própria de crueldade.

Ele cria cães molossos para matar frangos e outros galináceos da vizinhança. “Era ver um frango de qualquer vizinho, imediatamente estumava a cachorrada que estraçalhava em três tempos o bicharoco”, narra.

No conto, Simões é definido como “um imbecil”, e seu histórico familiar de opressão, ele busca dar continuidade, e da forma mais perversa possível, sobre vidas não humanas, destruindo-as apenas pela crença de que é seu direito fazê-lo.

Ainda que se possa discutir o lugar desses animais já previamente instrumentalizados, Lima Barreto externa a crueldade a que alguém se permite contra os animais.

Um dia a vizinhança decide se unir para mal-assombrar a casa de Simões. “Contrataram um moleque jeitoso que se metia no forro da casa, à noite e lá arrastava correntes.”

Para coibir uma crueldade como direito de opressão, os moradores evocam a crueldade de outra opressão, já que a família de Simões escravizara tantos humanos. Mas na história de Lima Barreto não há tempo para redenção:

“Simões lembrou-se dos escravos dos seus parentes Feitais e teve remorsos. Um dia assustou-se tanto que correu espavorido para o quintal, alta noite, em trajes menores, com o falar transtornado. Os seus molossos [cães] não o conheceram e o puseram no estado em que punham os incautos frangos da vizinhança: estraçalharam-no.”

Não se pode dizer que a vizinhança também não participasse da opressão de outros animais, porque sabemos que há muito tempo os animais não humanos são vistos mais como fins em humanos do que fim em si mesmos.

Lima Barreto também não diz se a preocupação dos vizinhos com a crueldade contra os animais está mais relacionada aos seus interesses ou dos animais em não serem crudelizados, deixando a conclusão em aberto.

Afinal, será que o que incomoda é matá-los ou somente quem os mata e como mata? A preocupação é com um prejuízo para o próprio animal ou para quem usa o animal? Se sim, estaríamos diante da consideração kantiana por deveres indiretos.

Mas a história permite uma reflexão sobre um trânsito de crueldades, assim como pode levar a um outro pensar não apenas sobre o lugar humano, mas também sobre o lugar não humano e o que deve ou não ser reprovado e combatido.

É relevante frisar que a literatura de Lima Barreto é uma literatura social ou mesmo uma literatura militante.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

2 respostas

  1. 👏👏👏 Bom dia! Bem interessante o texto para reflexão.
    Gratidão pela sua Empatia pelos Animais🐾🐾🐾 vamos caminhando para um planeta mais humanizado.

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