Para Mary Midgley, somos mais primitivos que outros animais

Mary escreveu que em diversos aspectos ainda somos verdadeiramente primitivos, enquanto outros animais, a quem não legamos direitos, são mais sofisticados do que nós em inúmeros aspectos (Acervo: The Guardian)

Falecida no dia 10 de outubro de 2018, aos 99 anos, Mary Midgley foi uma filósofa moral britânica que durante muito tempo lecionou na Universidade de Newscastle, na Inglaterra. Ela é mais conhecida por seu trabalho no campo da ética e dos direitos animais.

Em 1978, aos 59 anos, ela lançou o livro “Beast and Man”, em que defende que os seres humanos são mais parecidos com os animais do que muitos filósofos e cientistas sociais sempre julgaram; isto porque sempre se preocuparam mais com as nossas diferenças em relação às outras espécies do que com as nossas semelhanças.

Na obra, ela declara que em diversos aspectos ainda somos verdadeiramente primitivos, enquanto outros animais, a quem não legamos direitos, são mais sofisticados do que nós em inúmeros aspectos. A obra foi o primeiro manifesto de Midgley contra o reducionismo, o determinismo, o behaviorismo e o relativismo que ela considerava limitantes.

Em “Animals and Why They Matter”, outro de seus mais famosos livros, publicado em 1983, Mary analisa como a divisão e a oposição entre razão e emoção influenciaram nossas ideias morais e políticas; e como fizeram com que no decorrer do tempo ignorássemos a importância dos animais não humanos.

Influência de Lorenz e Goodall

Ao longo de sua carreira, ela publicou mais de 15 livros. Uma das suas obras mais recentes é “Are you an illusion?”, lançada em 2014. O livro é uma reação à obra “The Astonishing Hypothesis”, do biólogo Francis Crick, que reduz os conceitos de livre-arbítrio e identidade pessoal a uma reação das células nervosas. Migdley rebateu essa tese considerando que pensamentos e memórias são parte da realidade de animais humanos e não humanos, e que precisam ser estudados como tais, assim exigindo diferentes métodos analíticos que não cabem dentro de uma perspectiva reducionista e determinista.

A identificação de Mary Midgley com os direitos animais começou no final dos anos 1950, quando ela conheceu o trabalho do zoólogo e ornitólogo Konrad Lorenz e depois da primatologista Jane Goodall. Em 1985, o seu ensaio “Persons and Non-Persons” foi publicado no livro “In Defense of Animals”, páginas 52-62, do filósofo australiano Peter Singer. No ensaio, ela apresenta argumentos que devemos considerar em contrariedade à objetificação animal.

Em 1999 e em 2003, o escritor sul-africano J.M. Coetzee, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, citou Mary Midgley e Tom Regan como referência em direitos animais nos livros “The Lives of Animals” e “Elizabeth Costello”. O trabalho de Mary é bastante enfático no que diz respeito ao que os filósofos podem aprender especialmente com os animais não humanos, ignorados por importantes pensadores que ajudaram a fundamentar e a moldar o antropocentrismo e o especismo.

“Animais são muito mais sutis”

Em 27 de fevereiro de 2013, aos 93 anos, Mary Midgley concedeu uma entrevista a Simon Jenkins, do The Guardian. Ela o recebeu em sua casa em Newcastle, e na ocasião disse que quando se trata de falar sobre as diferenças entre pessoas e animais, na verdade, essa diferença não é tão grande quanto consideramos. “Os animais são muito mais sutis e complicados do que pensávamos”, enfatizou.

Ela explicou a Jenkins que muitos dos problemas que enfrentamos hoje em relação à negação dos direitos dos animais à vida no contexto da ciência, por exemplo, está relacionado com o fato de que muitos cientistas não têm um senso de filosofia ou história.

“O culto à ciência agora é amplamente praticado. Quando comecei a olhar a maneira como as pessoas falam sobre a ciência, percebi que existe essa noção grotescamente exagerada do que é e o que faz. Foi quando me interessei pelo comportamento animal, no final da guerra. Até então, não acho que pensei sobre ciência como uma espécie de campo rival do pensamento, mas uma vez que você começa…”, revelou.

Segundo Mary, um problema comum por parte de muitos cientistas é que eles ignoram a complexidade psicológica e motivacional que também faz parte dos animais. Ela crê que se começarmos a reduzir tudo ao comportamento das células, estaremos reduzindo tudo ao determinismo, o que é um grande equívoco sob a perspectiva da filosofia moral.

Saiba Mais

Mary Midgley nasceu em Londres em 13 de setembro de 1919.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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