Matadouro é linha de destruição

Ilustração: Jenny Kendler

Refletia sobre a violência e dor que um animal é obrigado a suportar sem que sejam reconhecidas assim. Para ele, matadouro é lugar feito para um indivíduo e como se todos fossem o mesmo, e esperam que sejam, ainda que não sejam e nunca serão.

“Porque reação não é repetição. Cada criatura tem sua maneira, sua percepção e emoção própria diante de uma situação. E quem se importa? Matadouro é linha de destruição que leva a uma linha de produção.”

Começou a chamar matadouros de desmontadoras – de vidas, de corpos, de desejos. “O que é inteiro vira uma parte, que vira outras partes que viram outras. Perdem origem, cheiro, conexão com a realidade e viram irrealidade. Chegam em lugares diferentes, onde ninguém jamais saberá quem foi o que foi, e o que é que já não é e nunca será.”

Sentia incômodo pela ausência de reconhecimento da violência não física. Lembrou de histórias de bois, porcos, frangos e galinhas que morreram de ataque cardíaco na linha de destruição, antes que instrumentos, que são armas, pudessem roubar-lhes parte da sensibilidade que precede a lâmina.

“O atordoamento não é bondade, também é roubo de dignidade, porque leva do animal a capacidade de sê-lo, expondo-o à desgraça de uma vulnerabilidade que deve ser dor terrível em seu estado de espírito. Chamam de ‘ato humanitário’ quando vira criatura perdida, já sem domínio sobre o próprio corpo, e entregue à vontade humana.”

Essa etapa já o fez imaginar o encolhimento do animal dentro de si. “Penso na agonia de estar num labirinto vivo que sou eu próprio, e já não tenho braços e pernas que possa controlar – restando-me só visão e audição para tudo, e este labirinto engole-me porque já é possuído por outra força, que não é a minha, e quero sair sem poder. O que fazer? Meu desespero encolhe comigo, assim como a minha dor. E então dirão que não existiu. E quem refutará sendo eu um animal que para o mundo é um produto?”

Depois recordou-se de um boi que caiu sem conseguir levantar após disparo no crânio. “Disseram que nada sentia, mas vi que era tudo que sentia. E para quem o mundo que os devora dará razão?”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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