Matança de “bezerros de leite”, cruel e usual no Brasil

Fotos: Pixabay/ARM

Imagino que você já tenha visto um bezerro, mesmo que não de perto, em alguma fazenda durante uma viagem. Se sim, provavelmente era uma propriedade de “gado de corte”, não de “gado de leite”.

Afinal, o Brasil não tem a tradição de criar os chamados “bezerros de leite”, um subproduto da indústria leiteira. Estes ainda costumam ser descartados antes do segundo dia de vida, e porque macho não produz leite.

O custo para mantê-lo vivo, se desenvolver e ser comercializado como “gado de corte” é considerado pouco vantajoso sob a justificativa de que raças leiteiras têm diferentes demandas – os animais precisariam ser confinados desde cedo para engorda e receber suplementação diferenciada. Além disso, não se desenvolvem bem “comercialmente” em uma dieta à base de leite.

Há uma estimativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) de que o Brasil possui um rebanho de mais de 23 milhões de vacas utilizadas na produção leiteira e 50% dos animais que nascem nas fazendas são machos.

No total, e por ano, mais de 10 milhões de bezerros são considerados “passíveis de descarte” logo após o nascimento. Já a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) estima que cinco milhões de bezerros machos nascem por ano nas propriedades de seus associados.

Ou seja, essa é a quantidade de crianças de outra espécie que podem ser separadas da mãe e mortas porque são vistas como um “colateral” da produção leiteira. Mas os consumidores não estão olhando para essa realidade, e muitos nem sabem que isso acontece.

“Uma consequência natural”

O agricultor Jurandir Bezerra, que trabalhou por quase 15 anos com descarte de bezerros em estâncias do Norte do Paraná, diz que hoje, sem dúvida, há mais bovinos nascendo e morrendo nos primeiros dias.

“É uma consequência natural do aumento da produção de leite. Mas para quem se preocupa com bem-estar animal, a situação não é melhor do que décadas atrás, porque se você tem mais bezerros machos nascendo nas fazendas, isso significa mais animais descartados, não o contrário, mesmo que as vacas produzam mais leite.”

O levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a pecuária revelou que só no primeiro trimestre de 2021 a aquisição de leite cru no Brasil chegou a 6,52 bilhões de litros, um aumento de 1,3% em relação ao mesmo período de 2020.

Já comparando com dez anos atrás, ou seja, um trimestre de 2011, a diferença é de mais de um bilhão e meio. Isso significa aumento de mais de 23%. “É o que eu disse. Se tem mais leite, tem mais nascimento e mais descarte”, comenta Bezerra.

Carne de vitela no Brasil

Segundo o agricultor, “bezerro de leite” ainda é considerado por muitos como “carne sem grande potencial” e por isso o descarte sempre foi comum no Brasil. No entanto, uma alteração na Instrução Normativa nº 2, publicada pelo Mapa em 27 de janeiro de 2020, tem incentivado a produção de vitela no país, ou seja, carne de bezerro.

O que o governo fez para estimular esse mercado foi definir que para que a carne de bezerro seja comercializada como vitela não é mais necessário manter o animal em uma dieta de leite, vista como desestimulante pelos produtores. Ou seja, ele pode receber concentrados, grãos e suplementos. Com isso, a expectativa é que os produtores se interessem em criar esses animais para forçar o desmame aos 42 dias e abatê-los com peso a partir de 160 quilos.

Mas independente se o bezerro é abatido após o nascimento ou criado para atender ao mercado de carne de vitela, que no Brasil tem como foco a exportação ou açougues e restaurantes especializados em “carnes especiais” ou do tipo “gourmet”, já que esse consumo por aqui não é cultural, é inegável que as duas realidades estão associadas à produção e consumo de leite.

Afinal, o bezerro macho é um colateral da necessidade da indústria leiteira em submeter vacas a ciclos de procriação e de estado de lactação, e porque sem isso não há leite disponível ao consumidor que anseia por um alimento que existe essencialmente para nutrir bezerros.

Saiba Mais

No Brasil, são identificados como vitelos os animais com até dez meses de idade, segundo informações da Embrapa. No entanto, fora do país são considerados vitelos os animais com menos de oito meses.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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