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Morte de ativista que fazia greve de fome em defesa dos animais completa 19 anos

“Não há mais medidas a serem tomadas, exceto esta, a etapa final para a abolição total da vivissecção” (Fotos: Getty/Barry Horne Org)

Nesta quinta-feira (5) completa 19 anos que o ativista britânico Barry Horne faleceu em decorrência do seu frágil estado de saúde agravado por sua mais longa greve de fome em defesa dos animais, que durou 68 dias.

Um dos nomes mais populares da Animal Liberation Front (ALF), Horne conheceu o movimento dos direitos animais por intermédio de sua segunda esposa que o convidou a juntar-se à ALF. Em pouco tempo, se tornou um militante ativo na causa animal.

Em 1988, sua primeira grande ação foi a tentativa de libertar Rocky, um golfinho de 100 quilos mantido em cativeiro em um parque aquático em Morecambe, Lancashire, na Inglaterra. Por esse ato, Barry Horne recebeu sentença de seis meses de prisão e multa de 750 libras esterlinas.

A condenação não o desmotivou. Ele apenas decidiu mudar de tática e começou a instalar dispositivos incendiários nos estabelecimentos que qualificava como “alguns dos maiores promotores e financiadores do sofrimento animal”.

Prisão e novas acusações 

Em 1991, Horne foi preso e condenado a três anos de prisão por posse de substâncias explosivas. Em 1994, após a libertação, ele foi acusado por outros cinco ataques incendiários contra laboratórios de vivissecção – desta vez na Ilha de Wight.

À época, a polícia encontrou em sua casa, em Swinon, Wiltshire, literatura voltada a ações diretas que incentivavam danos à propriedade privada como forma de ativismo. Na ocasião, ele acabou não recebendo nova acusação.

Em junho de 1993, Barry escreveu no boletim da Support Animal Rights Prisoners (Sarp) que os animais continuavam a morrer e a inaceitável tortura contra eles prosseguia. “Não há mais nenhum movimento pela libertação dos animais. Isso morreu há muito tempo. Tudo o que resta são poucos ativistas que se importam, entendem e agem”, lamentou em momento de desalento.

De acordo com a obra “Encyclopedia of Modern Worldwide Extremists and Extremist Groups, de Stephen E. Atkins, lançada em 2002, o ativista da ALF optou por se mudar em 1994 e passou a atuar no sudoeste da Inglaterra.

A maior sentença recebida 

Já em julho de 1996, Barry Horne recebeu a sua maior sentença desde que se tornou um ativista dos direitos animais – 18 anos de prisão por instalar dispositivos incendiários em duas lojas que comercializavam peles em Bristol. A isso, somaram-se as acusações na Ilha de Wight.

Enquanto esteve preso, o ativista que era filho de um carteiro e que perdeu a mãe muito cedo dedicou a maior parte do seu tempo na prisão pensando em meios de pressionar os parlamentares britânicos a promulgarem uma nova legislação voltada aos direitos animais.

Valendo-se de táticas antes utilizadas pelo Exército Republicano Irlandês (IRA), Barry Horne adotou as greves de fome e fez isso principalmente enquanto cumpriu pena na prisão de segurança máxima de Long Lartin, por onde já passaram líderes da Al Qaeda e de outros grupos terroristas.

Em uma de suas mais dramáticas greves de fome, iniciada em dezembro de 1998, e que o levaria a um estado extremo de debilitação, ele ficou 68 dias sem se alimentar. A consequência maior foram os severos danos ao fígado.

“Em sua última greve de fome iniciada em 21 de outubro de 2001, a saúde de Horne se deteriorou tanto que ele morreu no Hospital Ronkswood em 5 de novembro de 2001. Ativistas dos direitos animais imediatamente o elevaram a mártir de sua causa”, escreveu Atkins na “Encyclopedia of Modern Worldwide Extremists and Extremist Groups”.

Barry Horne em uma de suas últimas aparições públicas antes de falecer em 5 de novembro de 2001 (Foto: Getty)

Repercussão das ações e morte de Barry Horne

A vida de Barry Horne como ativista atraiu atenção da mídia desde as suas primeiras ações diretas, embora sua história tenha sido narrada diversas vezes com uma conotação pejorativa, considerando a natureza de suas ações, ainda que motivadas por um ideal de libertação animal. E isso ao longo dos anos dividiu opiniões.

Em 12 de dezembro de 1998, a revista New Scientist publicou que Horne foi saudado como o primeiro mártir da Animal Liberation Front (ALF), quer as pessoas gostem ou não, embora a própria publicação faça críticas à ALF e a qualifique como uma “organização anti-humanitária e anti-civilização”. No entanto, ressalta também que “os que se preocupam com o bem-estar animal viam Horne como um bom homem, pronto para colocar a própria vida em risco por um princípio”.

Em 17 de novembro de 2001, o Guardian veiculou que Barry Horne era descrito por quem o conheceu como um homem trabalhador, mas temperamental. O jornal britânico enfatizou que à época, apesar dos esforços da legislação britânica em conduzir progressivamente o movimento dos direitos animais à clandestinidade, permitindo que suas atividades fossem classificadas como “terrorismo”, Barry Horne ajudou a tornar o movimento mais conhecido e menos marginalizado no Reino Unido – obrigando a polícia a agir com mais discrição quando busca antagonizar o ativismo em defesa animal.

Em 11 de março de 2003, a BBC também mostrou uma face de Horne diferente daquela promovida muitas vezes pela imprensa como a de um “terrorista doméstico”. A rede inglesa relatou que a aposentada inglesa Doreen Pane se correspondeu com Barry Horne enquanto ele estava preso e o descreveu como um homem esperançoso.

“Acho que ele fez uma coisa muito corajosa. Ele estava disposto a sacrificar a sua própria liberdade pela causa. Ele disse uma vez que um dia as pessoas verão o especismo como vemos agora o racismo”, revelou. Antes de morrer Horne ansiava pela criação de uma comissão especial de investigações que pudesse colocar um fim à vivissecção no Reino Unido.

O Instituto Europeu de Ecologia Social defende que Barry Horne se tornou uma figura importante dentro do movimento pelos direitos animais, e em decorrência de seu compromisso com a causa. Para o instituto, suas atividades no final da década de 1980 e início de 1990 resumem perfeitamente a vanguarda da militância daquele período.

“Suas greves de fome tinham a capacidade de revitalizar o movimento e funcionavam como foco e catalisador para campanhas mais amplas. Mike Hill e Tom Worby foram assassinados. Jill Phipps foi morta no aeroporto de Coventry durante os protestos de exportação de bovinos vivos. Em contraste, Barry Horne escolheu conscientemente ser um mártir dos direitos animais. Apesar de receber uma sentença de 18 anos, Barry continuou sendo um espinho no pé do Estado.”

Em seu antigo e já extinto site barryhorne.org, o ativista tinha um canal direto de apoio não apenas de ativistas, mas também de simpatizantes de suas ações.

“Quem conheceu Barry sabia que era uma decisão inteiramente sua empreender protestos de greve de fome, e nosso papel era apoiá-lo da maneira que pudéssemos. Ele sempre disse que os protestos deveriam ser usados ao máximo para promover a causa da libertação animal”, registrou os idealizadores da página.

Eles defendem que as ações de Barry Horne chamaram a atenção mundial para a questão do uso de animais em laboratórios, bem como a exploração de animais em geral.

“Ao fazer isso, ele inspirou toda uma nova geração de ativistas a retomarem de onde ele parou. Hoje o movimento de libertação animal está firmemente estabelecido como uma força mundial. Não há dúvida de que isso pode ser atribuído em parte às ações de Barry Horne e às campanhas de greve de fome”, avaliam.

Quais eram os maiores alvos de Barry Horne?

Embora Barry Horne fosse contra qualquer tipo de exploração animal, ele direcionava sua atenção e energia principalmente para ações contra a experimentação animal. Ou seja, vivissecção e testes em animais, inclusive foi por ações diretas de danos à propriedade privada voltada a esse ramo que ele foi condenado a 18 anos de prisão.

Embora fosse classificado como terrorista, o ativista nunca planejou nenhuma ação com a intenção de ferir alguém. Suas ações se voltavam para prejuízos materiais contra laboratórios de experimentação animal. Então ele agia prioritariamente em horários em que não havia ninguém trabalhando nesses locais.

Antes de falecer em 5 de novembro de 2001, Barry Horne realizou vários protestos contra o apoio do governo à indústria da vivissecção, contra o lobby desse mercado e as promessas jamais cumpridas por políticos que se comprometeram em mudar essa realidade, mas na prática não fizeram nada.

Uma carta de Barry

É sempre mais fácil ver as razões pelas quais não podemos ter sucesso. Sempre mais fácil dar de ombros e acreditar que o melhor que podemos fazer é tentar, quase como um gesto simbólico. Sem acreditar no sucesso, o sucesso se torna tão difícil de alcançar, quase uma impossibilidade. Isso é um pouco parecido com a Libertação Animal, considerada impossível. Sabemos que não é, ou então pelo que estamos lutando?

Nunca devemos ter medo de ter sucesso ou de acreditar que podemos ter sucesso. E nunca devemos ter medo de alcançar as estrelas, se é isso que é preciso. Com esta greve de fome, estamos dizendo ao governo deste país que queremos tudo e não aceitaremos nada menos que o sucesso. Como podemos pedir menos? Fazer isso é condenar tantos animais a uma vida de sofrimento e morte. Acredite, chegou a hora de alcançar essas estrelas e acredito que é possível.

Muitas pessoas dizem que nosso protesto não pode ser bem-sucedido porque o governo não se importa, eles não cederão e não têm sentimentos pelos animais. Outros dizem que o nosso objetivo é pedir demais, que devemos pedir menos, buscar um objetivo mais facilmente alcançável. Eles dizem que você não pode esperar tudo; vamos dar um passo de cada vez. Minha resposta para esta última é que fizemos exatamente isso há anos. Demos um passo de cada vez no longo caminho que percorremos pela justiça nos laboratórios. E agora chegamos ao ponto em que estamos à vista do nosso objetivo.

Não há mais medidas a serem tomadas, exceto esta, a etapa final para a abolição total da vivissecção. Não cometa erros; o objetivo dessa greve de fome não é exigir algo que não pode ser dado. Pois somos pessoas razoáveis e, como tal, não exigimos uma solução instantânea. Em vez disso, queremos uma solução “dentro de um período de tempo acordado”. Isso significa exatamente o que diz: Sem negociação dupla, sem promessas vazias, sem acordos secretos. Dê-nos um prazo que seja agradável e dê-nos a sua palavra.

Para o governo [liderado pelo Partido] Trabalhista, eu diria isso; você tratou o movimento dos direitos animais, os milhares e milhares de amantes de animais deste país de maneira muito desagradável. Nos meses que antecederam a eleição, você disse tantas coisas boas, nos fez promessas e compromissos, garantiu-nos repetidamente suas intenções honradas em relação aos animais. E nós acreditamos em você. Por causa disso, milhares e milhares de pessoas votaram em você de bom grado, acreditando que aqui finalmente havia um governo que manteria sua palavra e ajudaria os animais.

Você nos decepcionou e traiu os animais que prometeu ajudar. Não vamos esquecer isso; não basta dizer que você ainda não teve tempo de fazer o que prometeu. Suas palavras desde a eleição provaram isso, nos falam apenas da falta de sensibilidade pelos animais. Você nos diz que eles não são uma prioridade. Para os milhares que deram seus votos a você, eles são de fato uma prioridade e seria sensato lembrar disso. Então mostre-nos agora que são homens e mulheres de honra, que têm compaixão, que estão comprometidos em acabar com o sofrimento dos animais nos laboratórios de vivissecção. Sobre esta questão, fale conosco e ouviremos, mas não traia os animais ou a nós novamente, porque nós não esqueceremos.

Carta publicada no extinto site barryhorne.org em 7 de fevereiro de 2006.

Saiba Mais

Depois de deixar a escola aos 15 anos, Barry Horne, que nasceu em Liverpool, na Inglaterra, em 17 de março de 1952, desempenhou várias atividades, incluindo a de gari e lixeiro.

Sua terceira greve de fome em 1998 deixou consequências que culminariam em sua morte em 2001, quando colocou em prática sua última greve de fome.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

2 respostas

  1. Tão triste quanto animais massacrados pela crueldade humana, são seus defensores, quando morrem voluntariamente por eles. Sua morte os transforma em paradigmas perigosos e tentadores que outros ativistas poderão imitar, intimoratos e apaixonados pela Causa que os inspira e enobrece. Muito bonito isso, maravilhoso mas não é legal. A morte de Barry não impediu que animais continuassem morrendo até hoje, mas pode ter contribuído para que outros ativistas sacrificassem sua própria vida, inspirados nele. A gente entende. Barry Horne era aquele cara especial como poucos e superior como menos ainda, por isso não suportou ser impedido de salvar os vulneráveis e explorados, porque inaceitável para ele que o impedissem de cumprir suas promessas de salvar suas vítimas. No entanto, precisamos de ativistas vivos, para que animais possam viver também. Se eu fosse a mãe de Barry Horne, a esposa, a irmã, a filha ou a amiga dele, iria preferir que Barry Horne não fosse um Deus vencido, um Anjo abatido em pleno vôo ou um Herói morto, mas que estivesse em casa no próximo Natal, para de novo ser um pouco, o adorado humano delas.

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