Não é estranho comer o coração e o fígado dos animais?

Fotos: Pixabay/Aitor Garmendia

Coração e fígado são órgãos aos quais atribuímos grande importância quando pensamos em nossa saúde. A possibilidade de que deixem de funcionar de forma precoce pode ser aterradora. Mas e se esses órgãos fossem arrancados de nossos corpos saudáveis? É uma ideia incômoda, não? E se fossem consumidos então?

Sem dúvida, a ideia evoca em nós algo de terrível, inaceitável, medonho e bárbaro. Por outro lado, o “caráter da diferença” sobre quem não somos e em relação a quem não atribuímos “valor não palatável”, e sim de “inferiorização que leva à produtificação”, permite o não reconhecimento de um problema no ato de comer o coração e o fígado de outros animais, não importando o quão vulneráveis sejam em um contexto de exploração para consumo.

Porém, se consideramos somente a funcionalidade de um coração e um fígado em um corpo, não reconhecemos logo o quanto são órgãos importantes? Mas se é sobre um “animal classificado como comível”, o “caráter não alimentício” desaparece mais uma vez pelo “caráter da diferença” usado como justificativa para a inferiorização, levando à ideia de que há existências que devem ser submetidas a todos os interesses humanos, coibindo uma percepção de barbarismo em relação a esse consumo.

Isso ocorre porque o “não barbarismo” então sustenta-se na concepção de que seu reconhecimento demandaria um estranhamento endossado pela maioria, o que não condiz com a realidade atual. Mas não reconhecer o barbarismo significa que não haja barbarismo? Ainda que seja evidente a violência e produtificação de um órgão vital reduzido a algo comível e destituído de valor originário.

Em animais não humanos criados para consumo a batida do coração supera de longe a nossa, como ocorre no caso dos galináceos. Ainda assim, é um órgão comumente servido sobre uma mesa, como parte de um número diverso de indivíduos não humanos, para que seja mastigado como uma porção de algo dissociado de uma função que não seja a de ser dilacerado por dentes e então descer pela garganta. Mas órgãos não humanos, ainda que consumidos, não surgem como produtos, são as arbitrárias atribuições, e seu impacto anuente, que os reduzem ao que não são.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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