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Por que animais que fogem do matadouro não são vistos como vítimas?

Bois fogem do frigorífico e assustam moradores de condomínio em MT” é o título de uma matéria publicada ontem no UOL. É notório que, mesmo quando animais escapam do matadouro, eles não são vistos como vítimas.

Nesse caso, as vítimas são os moradores que tiveram de se deparar com animais que fugiram de um matadouro da Marfrig em Várzea Grande (MT), na região metropolitana de Cuiabá. Ou seja, é destacado um incômodo em estar diante desses animais.

“São animais que fogem e, portanto, assustam.” O susto está nos animais fora do lugar determinado para eles. Ou seja, eles não poderiam estar em outro lugar senão no matadouro e fazendo o que lhes é imposto fazer – morrer.

Isso chama atenção porque leva à seguinte interpretação: “Como pode um animal fugir de um matadouro?” Como se isso fosse inadmissível, como se animal algum devesse resistir a tal experiência.

Tudo que é construído no discurso que envolve a realidade desses animais que fugiram é sobre olhar para essa realidade sem considerar o que é relevante para esses animais.

O animal é invisibilizado mesmo quando sua circulação é baseada em seu próprio incômodo, desconforto e desconsideração de interesses. O boi assusta? E o boi não se assusta? Quem garante que o susto do boi não é muito maior do que o susto do ser humano? Quem está mais próximo da morte?

Polícia Militar, bombeiros e Guarda Municipal se uniram para capturar esses animais e devolvê-los ao matadouro. Assim o Estado colabora para garantir que o fim do animal não seja outro que não reduzi-lo a pedaços de carne, e porque reproduz um interesse comum baseado na relação propriedade-consumo.

O animal não pode ser para o animal, porque é privado de sê-lo pelo lugar imposto a ele. Isso só pode ser revertido com a contestação desse domínio. Sem dúvida, é algo que só pode ser superado pela rejeição ao uso de animais como meio de consumo.

Também destaco outra passagem da matéria: “Todos os bois foram resgatados e ninguém ficou ferido”. Quem é ninguém? É uma pergunta a ser feita. Além disso, essa passagem traz uma observação que faz parecer que “houve um final feliz”. Para quem?

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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