Nenhum animal deseja o matadouro

Ilustração: Sue Coe

Animais já estavam no caminhão e não retornariam àquela fazenda. Lembro quando ouvi “que foram bem tratados o tempo todo.” Pedi licença para fazer observação.

“Ainda que eu concorde, o bom tratamento, se existiu, acabou agora. Afinal, não é para o matadouro que vão essas criaturas ‘bem tratadas’ e a partir de vossa intenção?”

Quase fui expulso dali. Outro disse-me que os tratou como família. Mirei-lhe os olhos sem surpresa e não mantive silêncio. “Não acho que o senhor enviaria alguém de sua família para o abate. Como dizer que são como se fossem família?” Virou as costas e não respondeu.

Mesmo um sujeito que encontrei queimando com espécie de maçarico os pelos dum grande porco já abatido no fundo de sua chácara orgulhava-se da maneira como “cuidou do suíno em vida”.

Sorria enquanto falava da diversidade de farelos e farinha de aves com que alimentou o animal e como hidratava-se e chafurdava numa lama de boa qualidade até o dia anterior.

“Não tens ideia de como viveu bem.” “E agora o senhor está a fazer com que o infeliz pague a conta com sua própria carne? Desculpe-me se sou inconveniente, mas quem alimenta um animal para fazê-lo pagar-lhe mais tarde com a própria vida, consideração ou estima honesta não tem por tal animal.” Apagou a chama do maçarico, mostrou-me a saída e comentário nenhum fez.

Recordo ainda duma vaca leiteira servida num churrasco. O dono do sítio disse que “era mimosa de baixa produtividade” e que as despesas com alimentação não compensavam mantê-la viva por mais tempo.

“Mas enquanto viveu foi feliz conosco, e como foi. Fizemos todas as suas vontades…” “Então o senhor decidiu que era hora de pôr fim àquela felicidade? Imagino a felicidade da pobre mimosa durante a degola. Quem não gostaria de ser degolado?”

Saiu de perto, simulando incompreensão. Depois notei que uma convidada assustou-se ao saber que estavam a comer uma vaca leiteira. “Pois sim, e não comem apenas aqui, e não morre somente aqui, porque o que não falta na produção de leite é sangue…”, ponderei, já sem dizer.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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