Nenhuma vida animal deveria ter preço

A vida, que não deveria ter preço, é um dos negócios mais rentáveis da história da humanidade (Acervo: AP Photo/Carrie Antlfinger)

A vida, que não deveria ter preço, é um dos negócios mais rentáveis da história da humanidade. Somente a indústria baseada na exploração de animais, seja para fins alimentícios ou não, movimenta trilhões de dólares por ano.

Não há como não pensar que quando o ser humano tornou-se um mercador da morte ele sedimentou a naturalização das mais diferentes formas de violência que conhecemos hoje. Enfim, se uma vida pouco vale, o que as outras coisas, menores que a vida, valem? Muito menos.

Há morte para onde olhamos

Matamos por ano mais de 80 bilhões de animais terrestres e até dois trilhões de peixes, sendo que temos uma população mundial de 7,8 bilhões de pessoas; o que significa que para onde olhamos há morte, há algum tipo de sofrimento, padecimento, perecimento. Eu sorrio, você sorri, todo mundo sorri, e muitas vezes fechando os olhos para o que nos cerca.

O lugar que mais reflete a morte não é o cemitério, não são os hospitais com doentes terminais, mas as nossas casas, os nossos locais de trabalho, os mercados, os restaurantes, as lanchonetes, as padarias, as farmácias, os nossos espaços de lazer. Todos estão imersos na finitude de outras existências, de outras criaturas.

Há histórias de privação e sofrimento por todos os lados. Se os animais que morreram para tornarem-se produtos ganhassem vida em um mercado, milhares deles correriam pelos corredores. Ouviríamos berros, mugidos, zumbidos, cacarejos, grunhidos, etc.

Veladas histórias de privação e sofrimento

Seria uma balbúrdia inimaginável. Quantas histórias de privação e sofrimento são veladas nas embalagens dos produtos que compramos? Quantas caricaturas animalescas encontramos à venda em todos os lugares, sendo usadas de forma desonesta na venda de produtos?

A serviço da indústria de produtos de origem animal, agências de publicidade criam personagens animais rindo, cantando e brincando. Em síntese, dissimulação e desrespeitosa ilusão que mascara a simples realidade de que não há diversão no sofrimento nem na morte. Quando um animal vira mascote caricato de um produto, ele não apenas tem a sua identidade dissociada, como também é reduzido à condição de tolo.

Qual ser senciente, que não deseja morrer, comemoraria o seu próprio fim ou ofereceria a sua própria carne com prazer? Nesse contexto, o ser humano não apenas mata um animal, mas macula sua imagem. Onde estariam escondidas todas essas carcaças flageladas? De dezenas de bilhões de animais mortos por ano.

Os matamos para expô-los

Em todos os lugares, e até mesmo dentro de nós. Não temos onde escondê-los. Nem queremos isso. Os matamos para expô-los, para aproveitarmos o máximo possível de suas carcaças, de suas carnes, órgãos, tudo que pudermos. E se algo sobrar? Criamos um novo produto. Não há razão para desperdiçar, principalmente se é possível lucrar.

Semeamos a vida tanto quanto semeamos a morte. Choramos pelas injustiças vividas pelos que consideramos nossos semelhantes, mas não por aqueles que são mortos e reduzidos a pedaços sobre os nossos pratos. Sentimos nojo quando passamos perto de um curtume que polui um rio, reconhecendo ali o cheiro da podridão – da morte e da poluição, mas não ponderamos sobre a ideia de não usarmos sapato de couro porque a consideramos ridícula ou exagerada.

Reclamamos da violência aguardando a chegada de um lanche recheado de hambúrguer bovino, presunto, filé de frango, ovos, muçarela e bacon. Paz somente para nós. Nos sensibilizamos ao assistirmos na TV uma vaca com a pata quebrada sendo retirada de um buraco.

Somos mercadores e consumidores de morte

Fazemos isso tomando milk-shake e comendo um sanduíche com queijo prato. Criticamos “todas” as formas de aprisionamento percorrendo as fileiras do mercado com bandejas de ovos nas mãos, ignorando a realidade das galinhas poedeiras que passam a vida toda confinadas.

Nos entristecemos com a cena de um porco-do-mato agonizando com a boca aberta sobre a relva. Depois o esquecemos e saboreamos um sanduíche de pernil. Jantamos frango ao molho enquanto nossos filhos assistem desenhos animados com galinhas. Criamos coelhos e hamsters e lavamos nossos cabelos com produtos testados em seus semelhantes.

Brincamos de senhores da existência, que estabelecem prazos de vida para dezenas e até centenas de espécies de animais. Definimos quando eles nascem, crescem e morrem. Nada pode acontecer sem a nossa interferência. Afinal, somos mercadores e consumidores de morte.

Gosta do trabalho da Vegazeta? Colabore realizando uma doação de qualquer valor clicando no botão abaixo: 




Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *