O garoto que acompanhou frangos enviados para o abate

Ilustração: Jo Frederiks

Tião transportava aves para abatedouros menores – frangos abaixo do peso médio e galinhas descartadas em granjas de ovos. O trabalho era realizado com caminhão próprio e caixas cedidas pelas avícolas.

Um dia, seu filho Tino pediu para acompanhá-lo. Quando o garoto subiu na cabine, os animais estavam todos em caixas empilhadas na carroceria.

Ele disse que não queria ir na cabine, e sim com as aves na carroceria. Tião estranhou o pedido, mas como o filho estava com os braços cobertos por mangas de algodão, não viu problema.

“Coloque este par de luvas e não mexa com elas porque ficam estressadas muito fácil. Na verdade, já tão assim.” Tião abriu a carroceria e Tino subiu.

Havia uma abertura no meio, como um estreito corredor, e caixas dos dois lados. De um, apenas frangos pequenos; do outro, somente galinhas poedeiras.

Tião começou a dirigir devagar, e Tino, junto com as aves, quis ver como se comportavam durante a viagem. “Você parece que tá enroscada aí, hein?” Levantou uma asa presa do lado de fora e uma galinha conseguiu puxá-la pra dentro. Não era a única.

Avaliou caixa por caixa e percebeu que mesmo se quisesse tornar aquela viagem menos dolorosa seria impossível, pela falta de espaço nas caixas.

Percebeu inúmeros animais feridos. “Talvez pela captura ou pelo espaço pequeno aqui.” Tino decidiu soltá-las e levantou uma barreira com as caixas vazias, mas as galinhas estavam estressadas demais e algumas começaram a brigar, até que, de repente, pararam. “É cansaço.”

Os frangos não reagiam nem interagiam – estar solto era como estar preso, porque não mudavam de posição, como se estivessem dentro de curtos e invisíveis limites.

A inclinação da cabeça, dos pés e a maneira como se moviam dava impressão de que algo que ninguém via os segurava como se tivesse total controle sobre suas ações e energias.

Tino olhava para as aves e pensava em como a diferença de criação – corte ou produção de ovos – não determina um destino diferente. Os frangos tinham 40 dias de idade e as galinhas poedeiras cerca de um ano e meio, mas estavam juntos a caminho do abate, num momento de vulnerabilidade, fragilidade.

O estranhamento entre animais não era resultado de gênio ou maldade, e sim de limitação, estresse, sofrimento, imposição. Observando cada uma em situação diversa de pré-morte, Tino notou individualidade, peculiaridade, e concluiu que todas essas características desaparecem com o abate.

“Um olhar mais direto, outro menos. A força com que bate na grade da caixa, a inclinação da cabeça, os sons ou ausência deles. A maneira como se encolhe ou estufa o peito…como reage ou percebe a dor. Dá pra perceber muito olhando pra vocês.”

Quando Tião abriu a carroceria, Tino ainda estava no corredor, e as galinhas de um lado e os frangos do outro. Seu pai não disse nada. Nem ele. Imaginou como seria se todos os frangos e galinhas do mundo voassem para longe como as andorinhas.

“Sua migração deveria ser motivada pelo reconhecimento de intenção em explorar ou matar, e precisaria durar mais de dois meses, bem mais…”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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