O grito da comida

Foto: HSUS

Atravessaram a cozinha e caminharam até um galpão bem iluminado com dezenas de divisórias. Grilhões, correntes, caixas, gaiolas, carretilhas, roldanas, torneiras, pias, facas, marretas, sangue fresco e riscos no chão. Não, nenhuma alucinação.

“Que gritos e gemidos são esses?” “É o grito da comida, meu senhor, simplesmente o grito da comida. Não se preocupe.” Mugidos, gemidos, grunhidos, pios, cacarejos e gorjeios misturavam-se a sons pouco ou nada distinguíveis.

“Que barulheira! Isso aqui parece um zoológico.” “Não exatamente. Apenas atendendo ao gosto do freguês.” Atravessaram um corredor, barulho mais intenso, luzes amarelas, insetos agitados, nenhuma janela. “Os senhores podem entrar aqui. Aguardem um momento.”

Garçom fechou a cortina branca e os deixou sozinhos com um boi acastanhado. Enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro, o animal dopado mugia com a cabeça escorada em um latão; um mugido sepulcral e fragilizado.

“O que está acontecendo aqui?” “Vamos esperar.” O garçom retornou acompanhado de um peão empurrando um carrinho de mão. As rodas rangiam e as pernas do bezerro tremiam. Tiraram o animal de cima do carrinho e o colocaram no chão. Fraco demais para manter-se em pé.

“O que é isso?” “Seu lanche!” “Como?” “Isso mesmo!” Sem dizer mais nada, o garçom mostrou um mural — MARRETADA E DEGOLA — ATORDOAR E SANGRAR. “Temos aqui um boi e um vitelo. Tudo é feito por nossa conta, menos o abate do animal. Quem deseja começar?”

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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