O movimento vegano não é um movimento homogêneo

Animais não existem para me servir e cabe a mim fazer o possível para não contribuir com essa exploração (Arte: Hartmut Kiewert)

O movimento vegano não é um movimento homogêneo, até porque pessoas têm suas bagagens, idiossincrasias e inclinações que podem ser inclusive antagônicas – em um contexto à parte de convergências. Afinal, ser humano perpassa pela subjetividade e contrariedade, em poucos ou muitos aspectos. Se uma pessoa busca no veganismo uma indefectível unissonância, só me resta dizer que talvez esteja procurando isso no lugar errado.

Acho importante aprender a lidar com a diversidade dentro do veganismo, até porque creio que o mais importante seja chegar à consciência e talvez ao coração das pessoas, se possível. Por isso não escrevo nem discurso para que as pessoas se sintam mais nem menos veganas. Assim como não escrevo nem falo com a finalidade de ditar regras nem ofender ninguém que não seja vegano nem vegetariano.

O que tenho como premissa em relação ao veganismo, porém não como construto identitário (já que ser vegano para mim não é uma questão de identidade), na realidade é muito simples – animais não existem para me servir e cabe a mim fazer o possível para não contribuir com essa exploração, e claro que isso significa me abster de consumir conscienciosamente qualquer coisa de origem animal.

Uma galinha poderia botar um ovo na entrada da cozinha, eu não o pegaria e o comeria, porque simbolicamente representaria o reconhecimento de que um animal pode me alimentar, e nisso há uma associação com a servidão ou pelo menos com a conveniência. Não concordo com isso. Mas este sou eu na minha concepção tradicional de veganismo, que vai ao encontro da proposta vanguardista ocidental de 1944, ou seja, não consumir nada de origem animal dentro das minhas possibilidades palpáveis.

Não duvido que devo ter alguns textos sobre o assunto que incomodam as pessoas, mas posso dizer com alguma propriedade que nenhum deles traz qualquer tipo de opugnação verbal, já que não vejo sentido em vituperar para conscientizar. Na minha opinião, acreditar em um veganismo uniforme é definitivamente crer em uma utopia, uma quimera, uma veleidade. Não somos feitos em série, somos pessoas, e cada um tem suas bagagens díspares e sortidas construídas ao longo da vida.

Na minha opinião, o que devemos ter em comum é só uma coisa – respeito pelos animais. A literatura animalista prova como a diversidade nesse contexto é imensa, e cada um, independente de antagonismo, tem o direito de manifestar respeitosamente o seu posicionamento. Sim, não cabe a mim o direito de vituperar ninguém, até porque isso não seria direito, somente injunção; e arbitrariedade não me parece algo que combine com o veganismo.

Vejo o veganismo como a luta pela liberdade, um tipo mais abrangente de liberdade, talvez a maior da história da humanidade se considerarmos o tanto de criaturas que visamos libertar da exploração – milhões, trilhões – dependendo da espécie. No entanto, se consoante isso alguém age com enfatuação ou preconiza ou vaticina cerceamento de algum tipo, até mesmo da manifestação de uma opinião, se valendo do veganismo, podemos transmitir talvez uma das piores imagens que não gostaríamos de difundir; ou pelo menos não deveríamos se ponderarmos o impacto disso em um mundo em que pessoas que se preocupam com os animais a ponto de não consumi-los ainda é pequeno, embora crescente e auspicioso.

Em síntese, se entendemos o veganismo como liberdade, creio que devemos sim evitar qualquer tipo de cesarismo em relação a quem diverge de nós em alguns pontos. Se uma pessoa não se alimenta de animais por uma questão ética, ela já está do nosso lado, mesmo que haja divergências, e divergências podem ser debatidas. Tento ser cuidadoso em relação ao viés romântico e passional das coisas que me interessam, porque sei que se eu permitir uma displicente visceralização, esse viés pode me engolir e suprimir a intelecção e a capacidade de analisar a realidade sob uma perspectiva menos unilateral e mais abrangente.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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