À noite, passando ao lado de uma fazenda, ouviu gemidos. Parou a caminhonete, desceu e viu uma cabeça magra movendo-se pouco acima do solo sem capim. Havia uma vaca enterrada.
Concluiu que um vento forte e seco que chegou naquela região mais cedo a livrou da agonia duma morte terrível ao arrastar em outra direção uma grande porção de terra arenosa.
“Terra seca também traz cegueira” – lembrou do que disse seu avô, para depois comentar que não tinha certeza se vale a pena vir ao mundo para ser vaca. “Vida de vaca é vida de vaca. E o que muitos pensam sobre isso? Viver pra oferecer e, quando não oferecer, morrer.”
A propriedade parecia abandonada e não encontrou gente por perto. Enquanto os faróis a iluminavam, ela o assistia. Seus gemidos intervalados perdiam força e, antes que pudesse tirá-la do buraco, sem ter certeza que conseguiria, a vida bovina se foi – e como se nunca tivesse sido.
Sentiu tristeza e deitou ao lado. “São caminhos estranhos do lucro e do consumo. Às vezes, as pessoas surpreendem-se, chocam-se, fechadas num ponto que não é um ponto – é o próprio redor.”
Olhou para a cabeça da vaca sem vida, o corpo parcialmente descoberto – enxergou apenas fragilidade e vulnerabilidade. “E quem vê logo pensará mais na fatalidade de estar do que de ser, e assim quantas mais encontraremos como você?”
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