Animais merecem ser reduzidos a produtos?

Se eu fosse um animal não humano, mas gozando de consciência humana, eu diria que o pior exercício de poder é aquele exercido pela humanidade (Foto: Aitor Garmendia/Tras Los Muros)

Há pessoas que afirmam que o veganismo soa impositivo. No entanto, o veganismo não é impositivo, é consciencioso. Afinal, o que pode haver de impositivo, de arbitrário, na consideração de que seres sencientes têm direito à vida, portanto não merecem ser reduzidos a produtos? Além disso, hoje, mais do que nunca, as pessoas sabem que matar animais para reduzi-los a alimentos não é essencial. Prova disso é a existência de vegetarianos e veganos saudáveis.

Ainda no século 19 e até poucas décadas atrás (pelo menos no Brasil), o consumo de animais era uma forma de distinção social, de status. Há quem diga que ainda é em determinados contextos. Ou seja, matamos outras espécies para provar à nossa que não somos semelhantes. E que se posso matar uma criatura que você não pode matar, por não ter recurso para tal, sou melhor do que você. Isso não é estranho? Impositivo?

Lutar pelo “direito” de financiar mortes

Na Inglaterra, Lord Byron e Percy Bysshe Shelley condenavam no século 19 os excessos, a glutonaria e a crueldade da burguesia, que matava uma quantidade absurda de animais para servir em banquetes particulares, e ainda faziam chacota dessas criaturas. Somos seres muito estranhos, de fato, se ponderarmos que muitos lutam para ter o “direito” de também financiar a morte de criaturas que até então faziam parte apenas dos hábitos alimentares de uma pequena parcela da população.

Vivemos em um mundo onde há pessoas que quando pensam em uma vida melhor, logo a associam com a ideia de se alimentar de animais considerados exóticos. Isso sim é um vislumbre arbitrário, impositivo, de exercício de poder. Hoje, sim, muitos têm acesso à carne, pelo menos se compararmos com outros períodos.

A que custo a carne foi “barateada”?

Isso deveria realmente ser comemorado? Já que isso é consequência de um grande aumento da violência contra outras espécies. E a que custo a carne foi “barateada”, se tornou mais acessível ao longo do tempo? Isso aconteceu porque em vez de matarmos centenas ou milhares de animais, passamos a matar milhões e bilhões, assim impondo novos níveis de privação e sofrimento. Esse é o real preço por um tipo tétrico de acessibilidade.

Se eu fosse um animal não humano, mas gozando de consciência humana, eu diria que o pior exercício de poder perpetrado contra os meus é aquele exercido pela humanidade. Claro, mesmo sendo um animal humano já reconheço isso como uma manifestação de perpetuação da barbárie travestida de civilidade.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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