Hedayat: Até quando fecharemos os olhos diante da barbárie contra os animais?

Hedayat: “Mesmo que matar pareça ‘útil’ para os seres humanos, que alegria poderia haver em torturá-los?” (Acervo: The Sadegh Hedayat Foundation)

Em 1924, o escritor iraniano Sadegh Hedayat, expoente da literatura moderna persa, publicou o livro “Ensān o ḥaywān” ou “Homens e Animais”, em que faz críticas ao comportamento especista humano. Três anos depois, lançou o livro “Fawāyed-e giāh-ḵᵛāri” ou “Os Benefícios do Vegetarianismo”.

A obra que discute os direitos animais teve grande repercussão, inclusive na Europa, logo depois de sair em versão alemã e inglesa. O que levou o escritor iraniano a tornar-se vegetariano e a abordar o tema em sua literatura foi o fato dele ter testemunhado o brutal abate de um camelo.

Em 1936, Hedayat publicou “Boof-e koor” ou “A Coruja Cega”, considerada sua grande obra-prima. No livro, lançado originalmente em Bombaim, na Índia, ele faz referências ao budismo e ao hinduísmo, o que gerou muitas controvérsias no Irã. No entanto, o aspecto mais intrigante do livro é a morte enquanto tema. Na história, o protagonista faz confissões às sombras que imitam as formas de uma coruja em uma parede.

“A presença da morte aniquila tudo que é imaginário. Somos a prole da morte e a morte nos livra das atrações tentadoras e fraudulentas da vida. É a morte que nos acena das profundezas da vida. Se às vezes chegamos a uma parada, o fazemos para ouvir o chamado da morte. Ao longo de nossas vidas, o dedo da morte aponta para nós”, escreveu em “A Coruja Cega”.

No conto persa “Sag-e Velgard” ou “O Cão de Rua”, publicado em 1942, Hedayat, considerado o pai do vegetarianismo moderno no Irã, apresenta uma versão ficcional do livro ensaístico “Homens e Animais”. Na obra, faz críticas contundentes à crueldade humana e a naturalização da violência:

“No Irã, o burro nasce para trabalhar e ser torturado. O cachorro é assassinado em nome de Deus. O gato é lançado dentro de um poço e o rato é enterrado vivo nas vias públicas. Mesmo que matar pareça ‘útil’ para os seres humanos, que alegria poderia haver em torturá-los? Até quando vamos fechar os olhos diante de tanta barbárie?”

E continua: “Em frente à padaria, o assistente de padeiro batia no cachorro. Em frente aos açougueiros, o jovem ajudante arremessava tijolos. Tentando se esconder debaixo de um automóvel, o animal foi saudado pelas pesadas botas do motorista.”

Então conclui: “E quando todos os outros se cansaram de machucá-lo, foi a vez do garoto que vendia pudim de arroz feri-lo com especial satisfação. Ele continuava lançando tijolos em suas costas e, conforme o cãozinho gemia, ele ria em voz alta e gritava: ‘Seu pequeno bastardo!’ Todos eles espancaram o cachorro em nome de Deus.”

Referências

Encyclopaedia Iranica. Hedayat, Sadeq. Life and Work (2003).

Hedayat, Sadeq. The Blind Owl. l-Aleph (2011).

Hedayat, Sadeq. Sag-e Vilgard. Negah; Second Edition (2004).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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