Olhar de porco no matadouro é sempre revelador

Não consegue ver o abatedor que concentra o peso nos joelhos apoiados sobre ele. Quanto desconforto…quantos sinais no couro… (Foto: Aitor Garmendia)

Olhar de porco no matadouro é sempre revelador. Há desespero, vontade de não estar. E quem gostaria de estar? Olhar de perdição, pés sujos paralelos à cabeça, engraxados de violência. Boca fica entreaberta, pingando saliva grossa até secar. Nariz? Também sujo e formando casquinha pós-debatida, mas quem se importa? Não apenas com o detalhe, mas com a realidade.

O que chegam às orelhas que parecem formar conchas? Já levou choque – várias vezes pra garantir e ainda sem garantir – e agoniza no desconhecimento, rendido pela crueldade que viola tanto seu corpo quanto sua ingenuidade. E o que dizer sobre a desconsideração de sua dignidade ou vontade?

Posição dos pés entrega que já não tem controle sobre movimentos. São partes de um corpo que já não é corpo – só um meio, como foi criado para ser. Não consegue ver o abatedor que concentra o peso nos joelhos apoiados sobre ele. Quanto desconforto…quantos sinais no couro…

E o número com tinta continua no corpo. Ao redor, o que se vê? Talvez seja mais fácil dizer o que não se vê. Sujeira e pouca iluminação, que vela sem velar. A próxima etapa da subjugação é pendurar pra sangrar. E os olhos miram tudo invertido. Como deve ser morrer de ponta-cabeça pra virar pedaços em bandejas, embalagens a vácuo e saquinhos?

Suas partes mais atrativas talvez recebam melhor iluminação na vitrine. “Isso aqui está bonito!” Será que o mesmo pode ser dito sobre a agonia de morrer? Quem vê beleza na degola ou no sangue que enche baldes? E em grunhidos ou guinchos de resistência vencida? Será que o apetite aumenta?

Quantas histórias há por trás das partes de um animal no açougue, vendidas separadas ou misturadas. Consumidores querem bacon, bisteca, linguiça, costela, pernil, paleta, pancetta…”É gostoso”, dizem. Mas quem diz que “gostosa” é a morte?

Gosta do trabalho da Vegazeta? Colabore realizando uma doação de qualquer valor clicando no botão abaixo: 




Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *