Ovo é um pedaço de dor de galinha

Ilustração: Gerhard Haderer

Saiu da gaiola. Era dia de descartar galinha que não bota. Não que já não produzisse nenhum ovo, mas não em quantidade que pusesse fim ao interesse em livrar-se dela.

“Assim não dá, não acompanha a produção. Pode matar! Essa não paga mais nem o farelo que come.”

Bichinha estava enfiada num canto, com as penas atravessando o fundo das grades encardidas, como se desconfiasse que não sairia dali pra ser feliz.

“Era a última do dia?” Não, nem primeira. Tinha medo quando mãos humanas invadiam sua gaiola ou das vizinhas e arrastavam as companheiras, porque nunca voltavam. E dizem que galinha não tem memória.

Com um ano, já estava perdendo penas e peso, destoando das outras. Nem muda forçada fazia mais efeito depois de mais de 40 dias só à base de água. Sobreviveu, mas quase morreu “Pra quê?” Talvez você queira saber.

É a vontade de não morrer que também resiste dentro dos chamados “animais de produção”. A sentença veio em seguida. Nem se fizesse todo o esforço do mundo voltaria a botar como antes – fisiologia, biologia.

Produzir número x de ovos castigou tanto a bichinha que pra fazer ovo atravessar o oviduto era como se tivesse que empurrar pra fora um órgão – doía e gemia.

Mas quem via ou reconhecia? Tinha tantas feridas, inflamações e alargamentos que logo nunca mais botaria, com ovo sem forma espalhando-se dentro de si e a matando da forma mais dolorosa possível.

“Como seria?” Caída sobre grades, com olhos perdendo viço e, em algum momento, sendo recolhida como pedaço de lixo.

Não tem muito tempo que nasceu, mas a subjugação diária, a privação, o espaço reduzido, a ausência de vida, faziam parecer uma velhinha. E quando olham para galinhas como ela, dizem na granja:

“Tá velha. Tá na hora de descartar.” É velhice que vem do sofrimento, não da idade. É desgaste que garante pilhas gigantes de ovos nos mercados.

Por trás de uma montanha de bandejas, há muitas galinhas que chamam, sem carinho, de “velhinhas” antes de matá-las ou vendê-las para abate.

É a gratificação final da exploração. Talvez agora você esteja comendo ovo de uma galinha que já não está aqui. Quem sabe…

 

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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