Para Peter Singer, covid-19 é mais um motivo para ser vegano

“Quando comecei a pensar no tratamento dado aos animais me tornei vegetariano; foi inteiramente por causa do que fazemos aos animais (Foto: Derek Goodwin)

Em entrevista publicada no mês passado pela revista New Yorker, o filósofo australiano Peter Singer, autor do livro “Libertação Animal”, que tornou-se referência para o movimento moderno pelos direitos animais a partir de 1975, disse que ganhamos mais um motivo para ser vegano com a pandemia de covid-19.

A declaração foi feita quando o jornalista Daniel A. Gross o questionou sobre sua história com a questão ética do consumo de animais.

“Quando comecei a pensar no tratamento dado aos animais me tornei vegetariano; foi inteiramente por causa do que fazemos aos animais. Então veio a mudança climática. E embora, a princípio, isso parecesse ser sobre a queima de combustível fóssil, descobriu-se que a produção de carne é um contribuinte significativo. Então você tem um motivo adicional para não comer carne ou para ser vegano. Com a pandemia, temos outro motivo importante.”

Singer vê a covid-19 como mais uma doença associada à exploração e consumo de animais, assim como outras doenças zoonóticas que têm atingido cada vez mais a humanidade nas últimas décadas – incluindo gripe suína e aviária, entre outras.

O filósofo também manifestou preocupação com o desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos em animais criados para consumo.

“O assunto da pandemia era um pouco mais especulativo, mas, em 2009, quando tivemos a pandemia da gripe suína, que envolvia fazendas de suínos criados em sistema intensivo, comecei a falar sobre isso de vez em quando.”

Sobre o livro “Libertação Animal”

Para Gross, Peter Singer também destacou qual é a mensagem mais importante do seu livro “Libertação Animal”, tão estudado e discutido no mundo mesmo após mais de 45 anos.

“É essencialmente dizer: ‘Pare de comer produtos provenientes de animais tratados cruelmente.’ Você não precisa de uma revolução social. A revolução social é muito difícil de alcançar. Em vez disso, devemos nos concentrar em fazer com que os indivíduos mudem suas práticas. Talvez isso tenha influenciado meu pensamento e crença na mudança individual.”

Peter Singer, que é filho de austríacos judeus, também revelou ter lido muito em sua juventude sobre a chegada do fascismo na Europa e como o holocausto foi concebido. E na época chamaram-lhe a atenção para outro tipo de opressão.

“Algumas pessoas disseram: ‘Bom, se você está ciente desse tipo de sofrimento físico absoluto infligido à sua família, então é mais fácil ter empatia com o sofrimento que está sendo infligido aos animais não humanos.’ Isaac Bashevis Singer, que não é meu parente, disse o mesmo tipo de coisa – em uma de suas histórias, ele tem um personagem que diz: ‘Para os animais, todo dia é Treblinka [em referência ao campo de extermínio]’.”

Sobre a família judia e o nazismo 

Dos quatro avós do filósofo, apenas a mãe de sua mãe sobreviveu ao holocausto e recomeçou a vida na Austrália quando ele nasceu, em 1946.

“Ela viveu até 1955. Éramos muito próximos. Tínhamos outros amigos judeus em Melbourne, alguns dos quais tinham números de campos de concentração tatuados em seus braços.”

Peter Singer, que não vê problema em classificar o que fazemos com os animais como holocausto, muito pelo contrário, revelou também na entrevista que seus pais tinham cerca de 30 anos quando Hitler marchou pela Áustria.

“Eles perceberam muito rapidamente que não tinham futuro na Áustria. Os judeus não podiam ter negócios sob as leis nazistas, e minha mãe acabara de se formar como médica. Os nazistas disseram que médicos judeus só podiam tratar pacientes judeus. Não acho que naquela época eles pensaram que poderiam ser assassinados.”

Ainda assim, seu pai escreveu para um tio nos EUA que disse que poderia patrocinar sua ida e nova vida, mas não a da esposa, e justificando que a razão era “não tê-la conhecido”.

“Minha mãe então se lembrou que conheceu um australiano que havia ido à Áustria para esquiar e foi convidada a juntar-se a ele e alguns amigos em um dos bares nos arredores de Viena. Ele então enviou um cartão da Austrália, agradecendo pela companhia.”

Este mesmo homem, um católico de origem irlandesa, conseguiu vistos para os pais de Singer, e então eles recomeçaram suas vidas na Austrália. “Quando eu era criança, fomos a Melbourne ver Jerry Donovan, o homem que os ajudou.”

Sobre o capitalismo 

O autor de “Libertação Animal” também foi questionado se é adequado dizer que o seu trabalho filosófico incorpora o capitalismo. “Não acho que o capitalismo esteja incorporado ao meu trabalho filosófico. Acho que meu trabalho filosófico é neutro sobre qual é o melhor sistema econômico – mas também é realista, e acho que estamos presos ao capitalismo no futuro previsível”, declarou.

“Continuaremos a ter bilionários, e é muito melhor ter bilionários como Bill e Melinda Gates ou Warren Buffett, que doam a maior parte de sua fortuna de maneira ponderada e altamente eficaz, do que bilionários que apenas constroem iates cada vez maiores.”

Peter Singer acrescentou que seria melhor se tivéssemos um sistema econômico livre de bilionários, mas que a produtividade que os bilionários geraram ainda fosse mantida e esse dinheiro distribuído de forma mais equitativa.

“Mas realmente não houve um sistema com equidade em sua distribuição, mas com a produtividade do capitalismo. Não vejo isso acontecendo tão cedo. Se um país começar a tributar bilionários para que não haja bilionários, esses bilionários irão para outros países onde poderão continuar sendo bilionários.”

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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