No Brasil, onde muitos não têm acesso à boa alimentação, há mais bovinos (218 milhões) do que humanos (216 milhões). Claro, um animal criado para consumo precisa receber uma alimentação adequada para se desenvolver, ser degolado e comido.
Além do gado, por exemplo, necessitar de boa forragem, que forneça nutrientes essenciais, ele demanda concentrados e minerais (pense também na fase de terminação). Quando o pasto não é muito bom, o que não é incomum também no Brasil (onde mais de 60% das pastagens estão degradadas ou em processo de degradação), algumas necessidades podem se acentuar – o que também pode ser agravado por períodos de estiagens.
Ou seja, é preciso que haja um cuidado, não com o animal como indivíduo, mas com o desenvolvimento de seu corpo, já avaliado com base no potencial de rendimento de carcaça. E a que reflexão isso me leva? O Brasil é um país onde há muito mais deficiência nutricional na dieta humana do que na dieta não humana (considere a pecuária).
Isto porque o animal que precisa ter necessidades nutricionais atendidas para ganhar peso o mais rápido possível e morrer muito jovem será destinado à alimentação humana. As partes mais caras para quem tem mais poder aquisitivo e as partes mais baratas para quem tem menos.
Suas partes irão para o prato de quem tem uma dieta deficitária ou ruim e daquele que julga ter uma dieta excelente. O quanto parece estranho investir em alimentação para matar um animal que também terá partes consumidas que são ruins para a saúde daqueles que mais sofrem com a vulnerabilidade socioeconômica?
Esses dias, testemunhei um homem comprando um produto de péssima qualidade à base de carne separada mecanicamente, pele animal e amido geneticamente modificado. Ele comentou com alguém que era “o que poderia comprar”. Pensei nos animais e em suas partes que chegavam até as mãos daquele senhor em situação de baixíssimo poder de compra. Aquilo gritou como absurdidade.
Criaturas não humanas sendo nutridas para a morte; e algumas de suas partes estavam ali, misturadas naquela peça enrolada num plástico vermelho. Aquele homem, em suas próprias limitações, comeria aquilo que, sem dúvida, não forneceria os nutrientes que ele tanto necessita. E os animais antes tiveram de receber os nutrientes necessários para tornarem-se produtos. Como não reconhecer contrassenso nessa realidade?
Tudo sobre o consumo de animais soma-se para imanente incoerência. Enquanto observava uma vitrine repleta de pedaços de animais, reconheci mais uma vez que o que chega ao prato, seja a parte mais cara ou mais barata, não é só a carne, mas a extensão de sua produção massiva e massificadora.
Pensei no pasto e também na produção de grãos para alimentar os animais mais subjugados pela pecuária – que corresponde a 77% das áreas agricultáveis do mundo. Imaginei também a expulsão de vida silvestre agravada pela expansão da produção animal. Afinal, o custo da carne pode não envolver apenas os animais consumidos diretamente, desperdício de recursos naturais e perda de importante vegetação nativa, mas também o fim da vida natural de quem não vemos nem reconhecemos.
Quem contabiliza a morte de animais silvestres na produção de um quilo de carne, por exemplo? O quanto é coerente expulsar animais do seu habitat para usá-los para a criação de animais que não pertencem àquele lugar? Não ignoro também que a redução do consumo de carne no Brasil costuma estimular os maiores produtores de carne a ampliarem suas exportações.
Ou seja, produção de carne, além de insustentável e cruel por inerência, nunca foi sobre “levar comida para a mesa do brasileiro”, como afirmam as propagandas, mas sim sobre lucro. E se o brasileiro não tem condição de consumi-la, a preocupação não é encontrar meios de torná-la mais acessível, mas sim disponibilizá-la para quem tem condições de pagar o preço determinado pelo mercado – o que explica o crescente interesse no aumento dessas exportações que castigam o meio ambiente e os animais em benefício somente de quem está preocupado com nada mais do que lucrar.
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