Peter Singer: “Não somos mestres dos animais, apenas vivemos no mesmo planeta”

Foto: Derek Goodwin

No domingo (10), a versão inglesa do jornal El País publicou uma entrevista realizada por videochamada pelo jornalista Javier Sampedro com o filósofo australiano Peter Singer, mais conhecido pela autoria do livro “Libertação Animal”.

Na ocasião, Sampedro disse que descobertas recentes da neurociência revelaram que a porção do cérebro humano que mais se desenvolveu durante o processo de evolução situa-se em áreas que compartilhamos com outros animais. O jornalista questionou se Singer considera a informação como mais uma confirmação de suas teorias sobre outros animais.

“Sim, acho que a consciência remonta muito à história evolutiva na Terra. Sua presença foi confirmada em outros mamíferos, e acho que em todos os vertebrados, incluindo peixes, e até em certos invertebrados. Todos nós já vimos o famoso documentário sobre o polvo, ‘My Octopus Teacher’, que demonstrou às pessoas que os polvos também são seres conscientes, mesmo quando sua consciência evoluiu independentemente da nossa. A evidência que estamos acumulando na neurociência demonstra que a consciência não é um fenômeno específico para humanos, ou mesmo para primatas, mas vem de lá atrás na evolução.”

Peter Singer disse que Darwin reconheceu que não somos uma “criação separada”, um ponto considerado por ele muito importante, porque em textos religiosos, como, por exemplo, na leitura literal de Gênesis, os humanos são destacados como uma criação direta de Deus, os únicos feitos à sua imagem e semelhança, portanto, aqueles que possuem uma alma imortal que sobrevive ao corpo.

“Muitas pessoas, incluindo Tomás de Aquino, interpretaram isso como uma negação de que temos obrigações para com os animais. Só os teríamos em relação a outros seres com almas imortais, o que significaria só humanos. Mas Darwin mostrou que isso é uma falácia, porque não somos feitos à imagem de Deus, mas sim produtos da evolução de outros animais. Esta é a percepção fundamental de Darwin. Não somos mestres dos animais, apenas vivemos no mesmo planeta que eles, e não temos o direito de supor que nossos prazeres e dores sejam únicos ou diferentes dos deles. Na verdade, o hinduísmo e o budismo não veem uma divisão tão clara entre humanos e outros animais quanto o cristianismo”, comentou.

Sobre o sofrimento não humano, Singer pontuou que vemos as mesmas reações à dor em humanos e em outros animais, com base nos mesmos fenômenos nervosos. “Uma aspirina ou paracetamol alivia a dor em humanos e animais. A proposta de que eles não estão conscientes de seu sofrimento parece improvável”, exemplificou.

O filósofo australiano também disse que não vê problema no consumo de um hambúrguer feito de células de animais desde que não haja nenhum sofrimento no processo.

Já em relação aos testes em animais, Singer declarou que “não compartilha a ideia de que a experimentação com animais é sempre injustificada”. “Sou um consequencialista. Julgo o que é bom ou ruim por suas consequências. Mas quando examino experimentos com animais, encontro um grande número de práticas que não são necessárias para a saúde ou sobrevivência humana – como cosméticos ou para testar corantes alimentares.”

Ele também se posicionou contra os experimentos em animais voltados a estudos sobre transtorno de estresse pós-traumático que possa ter ligação com a infância – que envolve infligir dor aos animais para verificar se há aumento da probabilidade de TEPT. “Acho que existem maneiras melhores de ajudar as pessoas com estresse pós-traumático”, avaliou.

Peter Singer opinou ainda sobre o uso de animais como entretenimento. “As touradas podem ser consideradas as herdeiras dos jogos na Roma clássica, onde as feras comiam gladiadores e cristãos. É incrível para mim que as touradas tenham sobrevivido até hoje, apesar da rejeição geral do público ao entretenimento baseado em infligir sofrimento aos animais. É uma tradição peculiar, e há tantas outras maneiras de fazer uma festa, com todos esses magníficos times de futebol que você tem na Espanha e tantas pessoas que gostam de vê-los, que eu recomendaria o futebol antes das touradas.”

Javier Sampedro declarou durante a entrevista que conheceu Singer há mais de 20 anos, e que à época chegou para o encontro como se estivesse preparando-se para uma briga, com perguntas provocativas como: “Os humanos inventaram os direitos humanos, os macacos não deveriam inventar os seus?”

“Nem um minuto da entrevista se passou antes que eu percebesse o quão errado eu estava. Ficou claro que Singer era um pensador profundo e reflexivo, e não o bocudo comedor de plantas que eu imaginava”, revelou.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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