Se vejo uma criança sorrindo e admirando uma ave em um parque, posso me perguntar, por ideação, se a essa criança é dada “uma ave como alimento”.
Se sim, o contato mais íntimo dessa criança, por meio do ato de engolir, é com uma ave que ela nunca conheceu, diferentemente daquela que ela observou e contemplou. Não acho que ela desejaria mastigar a ave que ela observou.
Então me pergunto sobre a reação das crianças que contemplam aves e que comem aves se soubessem que tais aves também desejariam continuar sendo aves. Por que não pensaria a criança no tratamento desigual entre as aves? Aves para mastigar e aves para não mastigar?
Lembro-me agora de uma criança que em um parque sorriu de forma efusiva para uma ave livre no que é possível ser livre, e sem tocá-la, sem senti-la. Acredito que sem ver necessidade nisso, já que não demonstrou preocupação em tentar aproximação, em interferir na vida não humana.
Parecia que sua satisfação vinha somente do reconhecimento do animal em estar e parecer satisfeito em estar. A criança parecia demonstrar o que ouso chamar agora de “momento de felicidade”, pelo que talvez tenha visto como satisfação pelo que só é possível pelo que é um tipo de “liberdade da ave”.
Enfim, o ato da ave agir como ave, que é o que a criança também entende como o “ser ave”, e “ser ave” como ser alguém que vive um “fazer o que quer” (dentro de seus limites).
Porque se digo que a criança demonstrou satisfação, de onde viria a satisfação se a ave estivesse subjugada, confinada? Se a ave fosse impedida de fazer o que quer, a reação da criança não mudaria? A criança demonstrava compreensão sobre a importância da ave também para a própria ave.
E não é isso reconhecer o valor da ave em si mesma? Ver em uma criança esse comportamento e imaginar se essa criança é servida com partes de outras aves, faz pensar que é discutível que essa criança, por espontâneo interesse, desejaria comer a ave que nunca viu. E se isso ocorre, provavelmente é porque os pedaços não foram apresentados como partes de alguém.