Por que matar animais para comer?

Ilustração: Paula Meninato

Quando puxou-lhe o pescoço para um golpe fatal, notou o desespero do animal. A garganta vibrou tanto que sentiu uma força empurrando seus dedos.

Não sabia se aquilo já tinha acontecido – não lembrava ou nunca percebeu. O que mudou? Quem sabe? Mas parar pode ser coisa estranha, ou o oposto disso, que impulsiona a não voltar.

Colocou a faca de lado e assistiu a ave que, sem uma mão para contê-la, e restando poucas forças, correu para esconder-se atrás dum pneu velho. Ficou ali como se aquele objeto fosse garantia de segurança.

Ou não. Chegou ali porque era onde conseguiria chegar. A ave fazia som diferente, de quem experimenta a sobrevivência. Desconhecido? Sim, nunca ouviu porque nenhuma deixou de morrer quando quis que morresse.

Pensou que poderia ser coisa da idade, mas lembrou de seu pai, que com o dobro da sua ainda matava até dois animais por vez, sem hesitar. Sentiu estranho cansaço em manusear facas para golpear criaturas.

“Talvez a garganta daquela ave nem tenha vibrado e eu tenha só imaginado. Se assim for, o que posso dizer ou entender? Tem vez que a mente cria coisa para justificar ação ou inação.”

Refletiu mais um pouco e reconheceu que demorou para golpear, como se quisesse que a ave reagisse de maneira diferente para justificar a ausência da faca no pescoço. “E se não reagiu, então fingi que sim? Que dessa vez foi pior como se nas outras não tivesse sido?”

Degolou tantos animais. “E qual é o sentido disso? É matar pra comer. E depois? Se não matar, a gente ainda tem o que comer.”

Volteou o sítio com os olhos e mirou a horta, o pomar e outros espaços para boa semeadura. Plantavam alimentos que às vezes nem colhiam e apodreciam. Ponderou sobre desperdício, comida sobrando e ele degolando.

“Quanta coisa sem sangrar apodrecendo sobre a terra.” Considerou o que mais poderia plantar sem refugiar-se em pretextos para matar. Olhou para a ave atrás do pneu e percebeu que ela já não tremia.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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