Por que no combate ao especismo há animais que recebem menos atenção?

Imagens: Andrew Skowron/Patryj Majewski

O veganismo combate um especismo que atrai atenção principalmente para as espécies de animais mais exploradas/consumidas, embora não somente. Compreendo que consumo significa mais do que ingerir ou usar – muito do que fazemos como seres humanos são formas de consumo. Em relação aos não humanos, podemos entender isso como consumir tanto suas vidas quanto suas mortes, quando estabelecidas por relações de exploração/imposição.

Nesse combate ao especismo, um mal normalizado e institucionalizado que permite ao ser humano subjugar outras espécies por conveniência de lucratividade ou consumerismo, priorizamos alguns animais que tornam-se símbolos dessa oposição à exploração. Os mais comuns, sem dúvida, são bovinos, suínos e frangos, pelo menos no Brasil.

Bovinos, embora não sejam os mais consumidos em números de indivíduos no mundo todo, são bastante considerados no combate ao especismo, o que tem relação com sua condição associada à sua corporalidade. Além disso, muitas pessoas gostam de bovinos porque sentem que são animais que manifestam estados mais facilmente reconhecíveis. E em momento de dor, há uma tendência a compreendê-la como próxima à humana, o que é favorecido por serem mamíferos.

O fato de vocalizarem, porém não verbalizarem a própria dor, também a torna mais cognoscível. A consideração em relação aos suínos também assemelha-se, já que porcos são animais que expressam estados, emoções e sentimentos pela vocalização do que sentem. Isso também explica por que são considerados os animais que mais “emitem sons” no processo de obliteração de suas vidas.

Embora os frangos tenham crescente consideração, até porque o volume de consumo humano de indivíduos galináceos é absurdamente superior em comparação com bovinos e suínos, mesmo as imagens mais impactantes sobre seu sofrimento podem não evocar o sentimento gerado por imagens ou testemunhos de dor envolvendo bovinos e suínos.

Sempre que abordo essa questão, penso em dois fatores – o tamanho do animal (frangos são criaturas pequenas em comparação aos outros) e o estranhamento sobre sua condição e reação, mesmo quando o que se vê é seu desconforto dentro de uma caixa a caminho do abate ou recebendo eletrochoque ou pendurado para degola.

Se nos inspira menos incômodo em relação a outras espécies, então isso significa que temos uma percepção superficializada e relativista sobre atribuição de valor de vidas não humanas subjugadas, ainda que tenhamos boa intenção e sejamos contra o especismo que, no sistema alimentar, tem esses animais como alvos maiores em quantificação. Diferente de bovinos e suínos, frangos não apenas são abatidos como são abatidos simultaneamente. Ou seja, há muitos morrendo ao mesmo tempo.

Essa industrialização e mecanicidade evoca a celeridade da destruição de indivíduos como “criaturas de consumo”, o que revela um caráter visceral de atribuição de insignificância não monetária sobre vidas não humanas. Mas se os frangos, que são tão consumidos no Brasil, carecem de mais consideração, o que dizer sobre outros animais?

Podemos pensar em peixes e nos chamados de forma superficializada e eufemística em relação à sua própria condição biológica de “frutos do mar”. Mesmo quando somos contra o especismo, tendemos a priorizar alguns animais em em nossos discursos, nossas posturas, nosso tempo dedicado a motivar uma mudança comportamental.

Seria por efeito de predileção? Alguma ideia de identificação? Associação? Facilidade reacional? Não é novidade que a luta contra o especismo direciona-se mais àqueles animais que são reconhecidos como mais vitimados e que parecem mais próximos da realidade de exploração/consumo de uma determinada população. Isso explica também por que há convergências de um país para o outro, que partilham de hábitos especistas análogos, mas também há oscilações e importantes distinções.

No entanto, creio que precisamos ser cuidadosos em relação às nossas negligências e especificidades quando defendemos algo, porque somente o não consumo pode não ser suficiente se queremos expandir nossa percepção e a dos outros, mas jogamos sobre ela um manto de invisibilidade. A uniformidade de um discurso e de uma prática pode ser reducionista e excludente se fechada no cerne de uma consideração que, embora não intencional, faz alguns animais parecerem menos animais do que outros.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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