Por que “humano” é bom e “animal” é mau? A questão é sobre associação de palavras com sujeitos, o que persiste no ideário coletivo. Quero dizer, quando se fala em “humano”, há uma compreensão de caráter positivo comum se a palavra é utilizada como adjetivo.
E se acrescentamos um advérbio de intensidade, ou seja, “mais”, associamos “mais humano” com mais bondoso, compassivo, benevolente, caritativo e indulgente – e até com “mais compreensivo”.
Mas isso não é restringente? Quero dizer, por que associamos o “humano” ou “mais humano” com qualidades se isso não resume nossa substância, social ou não?
Mesmo efeito tem o advérbio “humanamente”. Ou seja, nossa linguagem está impregnada de construções que reforçam um suposto excepcionalismo como comum à nossa condição. Ninguém olha para alguém e diz:
“Você é realmente humano!” e alguém interpretará isso como ofensa, como não sendo elogio, porque evocará um elemento da normatividade linguística que prolifica essa concepção usual.
Por outro lado, posso pensar nas coisas ruins que fazemos como humanos, não reconhecendo o “realmente humano” como elogio. Eu estaria errado? Não digo para pensarmos dessa maneira inflexível, mas vejo importância em percebermos como os sentidos canonizados das palavras podem reforçar supremacismo.
Há entidades caritativas que adotam o “humano” em seus nomes, numa associação com “compaixão”, “empatia”, embora sabemos que como humanos podemos não ser nada disso. Ademais, tendemos a excluir muitas espécies dos nossos círculos de “empatia” e “compaixão”.
Por outro lado, “animal” como adjetivo é comumente usado como expressão negativa e ofensiva. Pode haver variações, claro, mas qual é a predominante? A que é utilizada como admoestação, reprovação, em associação com violência, estupidez e até mesmo crueldade.
É coerente? Além de sermos animais, mas preferirmos usar a palavra em referência aos não humanos, ressaltando ideia de diferença/estranheza que seja-nos conveniente, num afunilamento de assimilações, o mal que causamos enquanto espécie a outras espécies, seja para consumo ou outros fins, também permite reconhecer essa construção como um “perverter para dominar e perpetuar”.