Preocupação com o meio ambiente não deve ser apenas sobre nós

É importante a conscientização sobre as mudanças climáticas e impactos ambientais associados ou não à crise climática, mas é uma pena que a discussão seja tão centrada em uma percepção antropocêntrica da realidade. Sei que para motivar muitas pessoas é mais fácil alertá-las de que se prejudicamos o planeta também prejudicamos nós mesmos.

Por isso a discussão se concentra em como podemos afetar a vida na Terra, por exemplo, pelo aumento da degradação ambiental e de emissões de carbono que podem agravar, no pior sentido, nossas condições de vida (ainda que não seja somente sobre nossas vidas, e que estejamos longe de compor as espécies mais numerosas do planeta – o que reflete mais ainda o absurdo do impacto humano). Quando se fala em desmatamento, queimadas, desertificação, acidificação dos oceanos, os olhos voltam-se primeiro para como tudo isso pode tornar o planeta um lugar inabitável para a humanidade no futuro.

Afinal, se utilizamos os recursos naturais do planeta de forma irresponsável, não há como não gerar impacto, e isso não é apenas uma questão de acreditar ou não nas mudanças climáticas; porque não existe tal coisa como promover uma acelerada subtração ou esgotamento de algo e não esperar que haja reação – independente se você vê isso ou não como mudança climática. É algo inequívoco, então a crença ou descrença não torna seu efeito factual ou menos factual.

Como desacreditar que foi exatamente a percepção antropocêntrica de uso irresponsável do planeta, de seus recursos naturais, que nos trouxe até aqui, a uma realidade preocupante e que muitos rejeitam ou não dão a devida atenção? Então por que devo continuar tendo uma visão antropocêntrica em relação à realidade atual? O nível de desarmonia que existe em consequência de nossas pegadas no mundo não tem origem inerente no mundo silvestre e além.

Mesmo quando dizemos que os espaços naturais nos proporcionam algo de ruim, como, por exemplo, ao alegar que um mal começou com uma espécie não humana, ou que em tal ambiente natural surgiu algo que é uma ameaça aos humanos, isso não surgiu naturalmente, mas como resultado da intervenção humana.

A intervenção humana culminou no cenário atual de preocupação ambiental global, e ainda assim acreditamos que nossos interesses devem ser prioridade. E continuamos insistindo que interesses não humanos devem ser considerados à medida que não interfiram em nossos lucros.

Mas não são nossos lucros. De quem são esses lucros? Não é difícil perceber também que o impacto que geramos no mundo é o impacto de um sistema hegemônico de produção e consumo que sustentamos com nosso próprio dinheiro, que é resultado do tempo diário de vida que investimos ou gastamos – como preferir.

Pergunte-se quem são as pessoas que geram impacto direto no mundo e quem são aquelas que o sustentam. Financiamos nossa própria destruição em nosso conforto ou desconforto, eu poderia dizer, numa percepção antropocêntrica. Mas nós ainda temos o direito de optar por essa destruição por meio de nossos hábitos e maneiras de viver. E aqueles que não têm?

Posso pensar também em pessoas que sequer consomem o que financia esse sistema, porque vivem em miséria extrema, portanto, estão excluídas desse espaço consumerista, mas agora volto-me para os não humanos que morrem e desaparecem do planeta como se nunca tivessem passado por aqui. Quando penso em desmatamento, por exemplo, penso na expulsão e redução da expectativa de sobrevivência de animais nativos. Quando penso na acidificação dos oceanos, penso na mortandade de animais aquáticos.

E o que temperaturas extremas, quentes ou frias, representam para os animais que são vitimados por nossas ações? E quando são empurrados para cenários desconhecidos ou interações impossíveis em condições aturais? Muitos animais têm dificuldade de regularem a temperatura corporal em condição adversa – e podemos pensar em modificação e intervenção.

Precisamos nos educar para a compreensão de que a preservação do meio ambiente não pode ser sobre nós, que devemos reconhecer o outro como sujeito de seu próprio espaço – algo que deve ter a escola como espaço de discussão (não antropocêntrica). Portanto, a secundarização do que não é humano é algo que vejo como problemático quando pensamos em boas transformações para o mundo.

Também vejo muita construção de conscientização sobre meio ambiente e mudanças climáticas em torno de espaços vazios de vegetação, de imagens que revelam vastidão oceânica, de cenários urbanos, de chaminés de indústrias. Tudo isso também permite que as pessoas criem um distanciamento em relação à realidade – como uma permissão para sentirem-se como se estivessem diante de uma aleatoriedade indefinida com a qual é impossível identificar-se – reconheço nisso uma ausência de direção, efetividade e atribuição de responsabilidade.

Todos os dias, vejo negacionismo em relação ao impacto ambiental, que é inerentemente impacto humano no planeta, e em espaços que não são, em essência, nossos. Acredito que temos espaços emprestados e só. Em qualquer matéria publicada sobre o impacto da pecuária no meio ambiente, por exemplo, há um número surpreendente de pessoas que manifestam rejeição a esse fato, e não argumentam, porque se argumentassem teriam de pesquisar, e pesquisando saberiam que são apenas negacionistas – nada mais.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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