Produtos veganos estão começando a conquistar o mundo

Uma mudança em escala global está em andamento (Foto: iStock)

As empresas que estão desenvolvendo alternativas aos alimentos e outros produtos de origem animal têm integrado cada vez mais as listas e premiações de iniciativas que estão ajudando a mudar o mundo, seja pela redução do impacto ambiental no processo produtivo, por aliarem inovação e tecnologia e pela preocupação com o bem-estar animal.

Isso significa um reconhecimento importante, já que empresas, empreendedores e produtos veganos estão ganhando visibilidade em espaços antes dominados pela indústria mais tradicional, ainda que esta não contribuísse para uma mudança em prol de melhores hábitos ou reconhecesse como deveria as necessidades mais urgentes e emergentes envolvendo uma nova forma de produzir.

Hoje as próprias entidades representativas da indústria de alimentos e de outros produtos em diferentes partes do mundo sabem que há uma mudança global em andamento, e que as empresas que estão na contramão da produção tradicional terão cada vez mais a oferecer porque entendem que uma preocupação unilateral com o lucro não combina com consumo consciente e sustentabilidade.

Possivelmente por isso hoje sejam vistas pelos mais tradicionalistas como uma ameaça. Há um entendimento de que não se trata de algo passageiro, mas sim demandas que resultam de uma nova consciência por parte de um número crescente de consumidores.

Uma prova disso é que apenas quando a grande indústria de alimentos percebeu como empresas mais jovens estavam e estão atraindo consumidores que buscam alternativas aos produtos de origem animal, como as proteínas alternativas, ela decidiu investir nesse segmento; e com algumas representantes já ansiando por garantir protagonismo.

Ética na produção e consumo

Há casos que mostram que isso já foi feito da pior forma possível. Um caso emblemático envolve os irmãos Kale e Aubry Walch, fundadores do Herbivorous Butcher, um açougue vegano de Minneapolis, nos EUA. Eles conseguiram evitar que a Nestlé garantisse exclusividade sobre termos comuns ao mercado vegano – como “vegan butcher”.

A justificativa dos irmãos é amparada em uma consciência que destoa do chamado capitalismo predatório. Ou seja, eles creem que há termos e semelhantes denominações que devem ser compartilhados por todos aqueles que buscam um futuro melhor envolvendo uma alimentação mais ética e sustentável.

Esse tipo de atitude é algo que faz com que aqueles que têm grande preocupação com a ética na produção e consumo tenham uma percepção depreciativa sobre a postura das grandes empresas, transmitindo uma ideia de que o mais importante é o lucro mediante um suposto “direito de supressão” daqueles que estão no mercado, mas não possuem os mesmos recursos.

Então neste caso pode haver um dilema ético sobre o que pode e deve ou não ser considerado aceitável em um contexto em que os consumidores buscam produtos que reconhecem como mais éticos.

Falhas da grande indústria 

Não há como negar também que alguns fracassos da grande indústria nesse meio são consequências do desconhecimento em relação às necessidades dos consumidores, como se fosse suficiente apenas oferecer, por exemplo, qualquer opção de carne vegetal ou alternativa à carne.

Quem descobriu isso na prática foi a Tyson Foods, segunda maior indústria de processamento de carne bovina do mundo (perdendo apenas para a brasileira JBS), que fracassou enquanto a Beyond Meat e Impossible Foods prosperaram na oferta de carnes vegetais nos EUA, e seguem em expansão e conquistando espaço no mercado internacional. São empresas que se posicionam claramente contra a pecuária – com destaque para a Impossible, que tem postura mais controversa e provocativa.

Embora as grandes indústrias contem com muitos recursos, isso nem sempre é o suficiente para conquistar os consumidores, e no caso do mercado de produtos à base de vegetais as exigências são diferentes. Isso pode indicar também que não conhecer bem a realidade de um novo público-alvo, e menos ainda vivê-la ou experimentá-la, permita não apenas que um determinado produto não seja tão atrativo como também estimule os consumidores a olharem para aqueles que apresentam maior convergência aos seus interesses.

Essa realidade também pode ser uma razão pela qual as empresas dedicadas a produtos veganos, à base de vegetais ou não animais estão prosperando e obtendo mais reconhecimento, já que elas acreditam exclusivamente em um caminho diverso ao convencional. E com isso, transmitem a própria crença de que mais do que produzir também é importante acreditar.

Produtos e iniciativas premiadas 

No ano passado, por exemplo, a Heura Foods, que produz carnes vegetais e chegou a ser processada pela indústria da carne na Espanha por associá-la com a poluição, recebeu o prêmio “Empreendedor do Ano” concedido pela revista Empreendedores. Mais tarde, a Heura saiu vitoriosa no processo movido contra ela. Afinal, quem em 2021 ainda pode negar o impacto da produção de carne no meio ambiente?

Voltando à América do Norte, a Nabati Foods recentemente foi finalista do 28º Grande Prêmio Anual Canadense de Novos Produtos pelo lançamento de um búrguer vegano com proteína de ervilha e que imita a carne de frango.

Nos EUA, a Perfect Day, que produz “leite sem vaca” conciliando microorganismos e novas tecnologias de fermentação para a produção de alternativas aos laticínios, foi premiada recentemente pela revista Fast Company como a “empresa do ano” no ramo alimentício. Outro destaque da seleta lista da Fast Company, que avaliou milhares de empresas, é a Eat Just, mais conhecida por sua alternativa ao ovo.

A fabricante de alimentos à base de vegetais que no final de 2020 lançou em Singapura a sua primeira carne de frango cultivada, marcando a expansão de sua área de atuação, também foi reconhecida por transformar em realidade ideias que contribuem para mudar o mundo.

Couro e hotel vegano

E o reconhecimento de 2020 pra cá continua. Em março, o criador de uma alternativa ao couro à base de folhas de cacto, Adriano Di Marti, fundador da mexicana Desserto, foi premiado nos EUA. No Brasil, a marca de produtos cosméticos, naturais e veganos Bioart destacou-se no Prêmio Atualidade Cosmética 2020.

Também no ano passado, a startup dinamarquesa Beyond Leather Materials, que está investindo em vestuário e acessórios a partir de “couro” de polpa de maçã, venceu o Clim@ 2020, evento internacional que seleciona e premia a melhor iniciativa para um mercado mais sustentável.

Outro fato interessante e digno de menção é que o hotel vegano Saorsa 1875, situado na Escócia, recebeu o prêmio “Big Sleep 2020”, da National Geographic, que selecionou os 48 novos melhores hotéis do mundo.

Mudança global em andamento 

Vale lembrar ainda que recentemente o chef russo Artem Shiryaeev venceu em Omsk, na Sibéria, um concurso de hambúrgueres com um búrguer vegano que nenhum dos jurados havia percebido que não possuía nenhum ingrediente de origem animal.

Há inúmeros exemplos que mostram como em diferentes partes do mundo os produtos veganos, à base de vegetais, não animais ou livres de abate estão surpreendendo, conquistando mais espaço, visibilidade e reconhecimento.

Além disso, é destacável que, segundo o Good Food Institute, a indústria de proteínas alternativas arrecadou 3,1 bilhões de dólares em investimentos em 2020, o que significa três vezes mais do que em qualquer outro ano. Ou seja, uma mudança em escala global está em andamento.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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