Quando o gado saiu do matadouro com vida

Foto: Andrew Skowron

Aconteceu há muito tempo em um matadouro no interior do Paraná. Numa noite de dezembro, quando o abate de bovinos aumentou por causa da proximidade com o Natal, assim como os turnos da madrugada, havia 50 novilhos sendo preparados para a morte. Eram todos animais de uma mesma propriedade e nasceram com diferença de poucos dias.

Quando o primeiro foi encaminhado para o box onde seria abatido, os outros 49 bovinos, independente de distância, começaram a mugir. Paravam por um ou outro segundo e continuavam. Às vezes, em sequência, às vezes, em uníssono. Um dos magarefes decidiu falar com o encarregado.

Assim que ele se afastou do novilho, os outros pararam de mugir. Minutos depois, um homem entrou na zona de abate acompanhado do encarregado e com documentação da mesma fazenda que anulava a venda dos animais. “Pode liberar esse aí. Agora vamos precisar reunir com os outros.”

Era a primeira vez que bovinos saíam daquele matadouro com vida, sem ter partes acondicionadas em câmaras frias. Também era a primeira vez naquele horário e mês que não se ouvia berros, gemidos, sons de marreta, balanços nos grilhões e animais se debatendo de ponta-cabeça. Todos os funcionários olhavam com surpresa a partida.

Lá fora, uma brisa afagava cada vida não destruída, tocando-lhes as orelhas que ainda ouviam e sentiam. O silêncio foi seguido por mugido, repetido, mas que não inspirava nada de ruim. E os 50, chamados por seus nomes, foram colocados em outros caminhões e partiram, sem voltar para a propriedade de onde saíram.

Não foi o dono da fazenda que voltou atrás, mas seu filho que interviu e partiu para lugar desconhecido com os animais – e desconhecido até hoje.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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