Quando porcos escaparam do abate

Pintura: Leah Saulnier

Ficou feliz ao olhar pela janela e ver porcos voando. Eram tão numerosos e ágeis. A cada piscada um grupo desaparecia do seu campo de visão. “Como são rápidos. Será que estão deixando as fazendas ou os matadouros?”

Imaginou numa noite que com tanta modificação genética seria justo que um dia, como colateral, os porcos desenvolvessem asas imperceptíveis para seus exploradores e partissem, ganhando os céus e rumando para lugar distante de nossos hábitos e incômodos.

Sonhava com a libertação dos animais e esperava que desenvolvessem habilidades que perseverassem contra os mais resistentes em deixar de submetê-los às suas vontades.

“Ninguém deveria viver tão pouco”, disse muitas vezes. Debochavam de sua empatia por criaturas não humanas vendidas como alimentos. Lambiam pedaços de bacon antes de mastigá-los, faziam caretas e perguntavam se preferia uma tira maior, sabendo de sua depreciação. “É suquinho de suíno!”

A gordura subcutânea brilhante do óleo da fritura causava-lhe desconforto e desalento. Não achava graça porque esse estranho prazer depende de retalhar partes da barriga de um pobre animal. E não é também parte do motor da vida?

Logo pensou num porco brincando e rolando. Aquela parte da barriga em atrito com algo macio, onde a sensibilidade despertava-lhe satisfação, é a mesma que tantos comem em prejuízo de sua própria saúde que também depende do fim da saúde animal.

Entendeu como uma maldade que arrasta outra maldade. “Por que tiras de bacon lembram miniaturas de pistas irregulares para lugares ruins?”, perguntou em casa e ninguém respondeu. E que também causarão coisas ruins…

Já não se importava com deboche e indiferença. Bastava estar ali e continuar ali, vendo os porcos partirem para longe de pocilgas, caixas de concreto, lâminas, cubas, roldanas, mãos e bocas. Ninguém tentava impedi-los, ninguém conseguiria impedi-los. “Sim, os porcos voam e continuarão voando…”

 

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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