Quando você para de alimentar-se de animais a percepção muda

Ilustração: Raj Singh Tattal

Quando você para de alimentar-se de animais a percepção muda, porque o que te motiva já resulta de uma transformação. Há um olhar mais honesto em relação aos animais quando não os comemos nem concordamos que sejam explorados.

É comum observá-los com outra atenção. Também é natural pensar no tempo que levamos para mudar – questionar-se por que não olhamos para eles dessa maneira antes. Por que demoramos tanto para reconhecê-los como indivíduos?

Mas quando achamos que está tudo bem em explorá-los, dissociamos quem são do que serão (que é não ser), porque é fácil prolongar a aceitação. Se olho para um animal e alimento-me dele, digo que não é o mesmo que estará no meu prato e que não foi condicionado pela minha vontade.

Porém, se olho, reconheço e aceito tal fim, posso admitir que pouco importo-me com sua vida, seu condicionamento, dor e morte. Posso dizer que tenho dó, mas que é parte da vida, porque é mais fácil atribuir a uma entidade ou representação simbólica ou indeterminada uma relação em que abstraio culpa, criando ideia de invisibilidade inalcançável, em benefício de minha consciência.

Mas eu poderia dizer que nenhuma culpa tenho sobre o fim de quem mastigo como alimento? De quem consumo algo que, não sendo sua carne, o fim é o mesmo? Ou eu poderia rir dos animais, debochar de sua condição, e o que isso diria sobre minha capacidade de empatia? Que ser humano sou se faço piada da dor de alguém? Como posso negar que ser senciente é ser alguém?

Podemos trocar olhares com eles, estimular reações por meio de acenos ou pequenos movimentos. Como seres sociais (inconsiderados moralmente), sentem-se cativados se os tratamos bem, e assim não rejeitam nossa companhia, porque não explicitamos interesse na imposição de um mal.

Mas e se fazemos isso e os comemos ou estimulamos que sejam meios de assegurar nossas predileções de consumo? Que posso dizer de minha atitude? Posso ter uma conveniente formação que facilite não ver um animal como dotado de individualidade, de múltipla capacidade de experimentar sentimentos, mas posso negar que ele não concorda com o próprio fim?

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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