Assim que atravessou a rua, abriram a câmara fria de um caminhão. Parou e observou. Sentiu cheiro gorduroso enquanto dois homens removiam criaturas grandes penduradas em ganchos e embaladas em transparência.
“Então é assim que chega a carne ao açougue?”, disse o menino. Prestou atenção na falta de pés e de cabeça. “O claro da gordura e o vermelho que não é bem vermelho…tudo cru.”
Lembrou de quando viu um boi no pasto e o chamou de pelado, e seu pai disse que não, que já nasce com roupa, porque sua roupa é o pelo.
“Então arrancaram a roupa sem dó, porque quem vai dizer que não tá pelado? Coitado!” A exposição de carcaças descidas aos poucos começava a diminuir quando subiu a rampa para ver de perto o que era um boi gelado sem vida.
“Ei, moleque! Que isso? Saia já daí!”, ouviu e desceu. Continuou parado perto do caminhão. “Que cheiro estranho, parece que não é boi, mas é, né?” Olhou em volta e percebeu que ninguém mais se importava. “Quem foi feito pra faca?”
Começou a pensar em quantos cortes um boi recebe até desaparecer, mas achou melhor não, pra empurrar a tristeza pra lá.
“Como seria bom se você voltasse a ter cabeça e pé, e sua roupa que é seu pelo, e tudo que é você antes de morrer. Desceria daí e iria embora. Todos vocês.”
Olhou de novo para o caminhão – a câmara fria em forma de baú vazia. “Seria legal sim. Só que não seria melhor não precisar pular nem fugir? Não chegar aqui. É sim…é o que penso…”
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