Queimando o rosto do bezerro

Vi quando deitaram um bezerro e colocaram a sola da bota sobre seu rosto. Por onde aquele calçado passou, pisou? Quem pensa nisso? Usado para vencer a resistência do animal.

O que representa uma bota contra uma cabeça forçada ao chão? O que está em constante contato com a sujeira deve ser pressionado contra um rosto? O que pensamos sobre solas contra cabeças, rostos?

O marcador queimava a pele do bezerro, que tremia porque ardia. Duas mãos seguravam uma orelha e uma perna bovina, e o rabo apontava para quem o machucava.

Notei a pele torcida e percebi quando o bezerro deixou de resistir. Será que cansou de lutar? Tudo bem feito pra judiar. Baixa deformação se exposto ao calor, aquecimento rápido e resistência à corrosão.

Pensei em espeto. Por que ninguém diz que o marcador é semelhante? O cabo de madeira tratada, o inox….Não é esse o destino do bezerro?

Uma parte do corpo quente, queimando. Assim é com vida e será com a morte. A forma das pernas cruzadas pela força humana…Tudo era sobre dominar, instrumentalizar a posse sobre um corpo não humano.

Tinha gente que nem olhava, não por incômodo, mas porque não é novidade, é cotidiano. Bezerro sendo submetido ao papel imposto. Ouvi um som como se som pudesse ser ardido.

Levantou-se e deixaram que corresse. Não iria longe. Não havia espaço pra isso. Mas quis ficar longe de gente. Assustado, roçou a cabeça numa lasca de árvore. “Agora é só crescer e engordar pra morrer.”

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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