No matadouro, o que se pesa é a carne sem vida, mas e a aflição, o desespero e o terror não humano? E a resistência? E a inocência perdida? Se pudessem ser pesadas, quantas toneladas teriam a soma de estranhamento não humano na sua imanência de reações? Será que se acumulariam em cada etapa do processo? Poderiam ser entregues como um bônus a ser compartilhado com o consumidor, que é principal financiador.
Acredito que ninguém conhece as dores de um animal como ele próprio – e não falo somente de abate, pré-abate ou de reflexão sobre o próprio estado de consciência, mas do sentir e reagir em geral ou não reagir que também é forma de sentir quando se vive uma realidade antinatural, ainda que o seu existir já seja em si uma ação antinatural.
Mas o que é antinatural numa criatura não natural? Submetê-la a tudo que ela jamais desejaria. Talvez seja interessante pensar em nós mesmos se, por exemplo, surgissem versões nossas para confinamento e consumo a partir de um comércio regulamentado.
Bom, reconheço a grande distância entre os animais domésticos e seus ancestrais silvestres, já que as pessoas alimentam-se de animais inexistentes na natureza, criados pela intervenção humana, e submetidos a rápido acúmulo de peso e fatores que avultam problemas decorrentes da produtificação da precocidade.
Portanto, creio que jamais podemos dizer que um animal que existe em nosso pretenso benefício é uma criatura apta à melhor vida, porque isto não é verdade, se ponderamos processos que permitiram sua arbitrária chegada ao mundo – a quantidade de leite ou ovos que pode produzir, rendimento de sua carcaça, capacidade geracional e acelerado desenvolvimento de peso que impõe estresse às suas articulações.
A maior parte dos animais criados no mundo não foi feita para a saúde, para gozar de boa vida, curta ou não, e sua própria condição genética é reveladora, porque mesmo quando tais animais deixam de ser explorados, ainda carregam em seus genes as imposições que o trouxeram até nós. São fatores que não podem ser extirpados por nenhum tipo de libertação, por mais benevolente que seja; e por isso eles demandam específicas adaptações.
Associo à ideia de um humano vir ao mundo para exercer, por imposição, específica atividade laboral até ser considerado inútil e descartado (morto). Ainda que este seja libertado da exploração, a sua existência será marcada por essas modificações cruelmente condicionantes.
Mas também percebo similitudes entre animais silvestres e domésticos, porque mesmo um animal sobre o qual há uma tentativa de negação e desconexão de atavismos, alguns comportamentos compartilhados são imperiosos tanto em um quanto noutro, ainda que este não conheça outra realidade que não a do confinamento ou sujeição para fim de consumo.
Sobre o sofrimento animal, acredito que sempre temos condições de chegar a uma ideia de um princípio validamente concreto e possível com base em suas capacidades, que permite tanto uma extensão de nossa honestidade quanto sua supressão, dependendo de nossa intenção.
Considerando o que destaco no início, imagino a diversidade de estados de um animal que deixa uma propriedade rumo ao matadouro, seus conflitos que permeiam sua natureza associada aos seus ancestrais e uma natureza artificializada pela humanidade em seus desígnios imorais norteados por seu abjeto supremacismo.
Este animal, de quem falo como exemplo da subjugação massiva, está fadado a ser um animal não animal, não porque não é um animal, mas porque não é permitido sê-lo, numa meândrica existência, e mesmo que seja, não significa que escapará a conflitos pertinentes à domesticação, que é, por premência, convergente a interesses que não são seus.
Portanto, desde cedo lida-se com conflagrações inatas, o que significa também não estar livre das inconstâncias que transitam por estados aos quais a humanidade não está preocupada em lidar, e sobre esta deve recair a responsabilidade sobre a desestabilização não humana no mundo.
Mas quem se importa se é sobre animais criados para não serem animais? Quem se importa se manipulamos seus estados de ser e de estar? Se a importância disso fosse imperativa, inadiável seria combatê-la. Mas quantos de nós estão dispostos?
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