Quem vê os animais?

Foto: Emma O’Brien

Falava com animais que ninguém mais via. Um tom baixo, não como cochicho, mas poderiam achar que sim. Um porco, um frango, um boi e outros mais. Não queria incomodá-los demais.

Não tocava nem observava muito. Cheiro ganhava uniformidade, escapava à diversidade. Sabia quem era quem, mas aprendeu que não seria bom olhar diretamente por muito tempo. “Pode ser incômodo.”

Quando ficava frio, afastava-se e ia embora. Então pensava em como pode ser estranho ficar naquele frio, se possível senti-lo, e ainda que impossível não reduziria a estranheza de estar ali, mesmo sem estar.

Os animais não reagiam, e ele também não esperava reação, apenas vagueava por ideias, possibilidades e impossibilidades, que poderiam ser a mesma coisa. “O que muda de um dia para o outro?”

Quando gelava muito, observava as cascas transparentes cobrindo os animais. Pensava nas camadas de vida e no que se transformam. O cheiro mudava com o dia, com a temperatura, com outros mais. “Como posso enumerar?”

Era o olfato que identificava o estado de presentes ausências. Continuava falando com os animais. Não eram os mesmos. Mudavam logo. Costume dizia que quem chegava poderia ser quem partia ou vice-versa.

Como exercício mental, virava de costas e imaginava os olhos, a cabeça, pelos, penas, a forma, o tamanho, a posição e os sons da movimentação sobre o chão. “É preciso comer para não comer”, disse.

Preferia que não estivessem ali. Não sentia prazer em encontrá-los. “O que de bom há nisso se penso então no que sobre mim é um fim?” Um dia, abriu o refrigerador e não encontrou ninguém.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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