Richard D. Ryder: “Todos os seres que sentem dor merecem direitos”

Richard D. Ryder e um de seus livros mais populares sobre a questão especista (Fotos: Reprodução)

Em 6 de agosto de 2005, o jornal britânico The Guardian publicou um artigo de grande repercussão escrito pelo psicólogo, defensor dos direitos animais e escritor britânico Richard D. Ryder, que em 1970 criou em Oxford o termo “especismo”. Intitulado “All beings that feel pain deserve human rights”, ou seja, “Todos os seres que sentem dor merecem direitos humanos”, o texto é uma defesa moral dos direitos dos animais não humanos à vida, além de uma crítica contundente ao desinteresse humano em não considerar os interesses de outros animais. Interesses esses que incluem o natural desejo de não passar por privação, não sentir dor e não ser assassinado; imposições diárias que partem de uma prerrogativa arbitrária humana. Logo abaixo, segue a tradução do artigo na íntegra:

A palavra “especismo” me veio à mente enquanto eu estava deitado em uma banheira em Oxford há 35 anos. Era como o racismo ou sexismo – um preconceito baseado em diferenças físicas moralmente irrelevantes. Desde Darwin, sabemos que somos animais humanos que se relacionam com outros animais por meio da evolução; como, então, podemos justificar a nossa opressão quase total de todas as outras espécies? Todas as espécies animais podem sofrer dor e angústia. Animais gritam e se contorcem como nós; seus sistemas nervosos são semelhantes e contêm os mesmos componentes bioquímicos que sabemos que estão associados à experiência da dor.

Nossa preocupação com a dor e o sofrimento dos outros deve ser estendida a qualquer “painiente” [indivíduo que sente dor] – independente de sexo, classe, raça, religião, nacionalidade ou espécie. De fato, se os alienígenas são painientes ou se nós fabricamos máquinas que são painientes, então devemos ampliar o círculo moral e incluí-los. A dor é a única base convincente para atribuir direitos ou, de fato, interesses a outros.

Muitas outras qualidades, como “valor inerente”, foram sugeridas. Mas o valor não pode existir na ausência de consciência ou consciência potencial. Assim, rochas, rios e casas não têm interesses e não possuem direitos próprios. Isso não significa que, claro, eles não têm valor para nós, e para muitos outros painientes, incluindo aqueles que precisam deles como habitats e que sofreriam sem eles.

Muitos princípios morais e ideais foram propostos ao longo dos séculos – justiça, liberdade, igualdade e fraternidade, por exemplo. Mas estes são meros passos para o bem final, que é a felicidade; e a felicidade é facilitada pela liberdade de todas as formas de dor e sofrimento (usando as palavras “dor” e “sofrimento” – intercambiáveis). De fato, se você pensa sobre isso cuidadosamente, você pode ver que a razão pela qual esses outros ideais são considerados importantes é porque as pessoas acreditam que são essenciais para o banimento do sofrimento. Na verdade, às vezes eles têm esse resultado, mas não sempre.

Por que enfatizar a dor e outras formas de sofrimento em vez de prazer e felicidade? Uma resposta é que a dor é muito mais poderosa do que o prazer. Você não prefere evitar uma hora de tortura do que ganhar uma hora de felicidade? A dor é o único e verdadeiro mal. O que dizer então do masoquista? A resposta é que a dor lhe dá um prazer maior que a sua dor!

Um dos importantes princípios do painismo (o nome que dou à minha abordagem moral) é que devemos nos concentrar no indivíduo porque é o indivíduo – não a raça, a nação ou a espécie – que gera o real sofrimento. Por esta razão, as dores e os prazeres de vários indivíduos não podem ser agregados de forma significativa, como ocorre no utilitarismo e na maioria das teorias morais. Um dos problemas com a visão utilitária é que, por exemplo, os sofrimentos de uma vítima de estupro em grupo podem ser justificados se o estupro gerar uma quantidade maior de prazer aos estupradores. Mas a consciência, seguramente, é delimitada pelos limites do indivíduo. Minha dor e a dor dos outros estão, portanto, em categorias separadas; você não pode adicioná-las ou subtraí-las umas das outras. São mundos separados.

Sem experimentar diretamente dores e prazeres, eles não estão realmente lá – estamos contando apenas com suas cascas. Assim, por exemplo, infligir 100 unidades de dor em um indivíduo é, eu diria, muito pior do que infligir uma única unidade de dor em mil ou um milhão de indivíduos, mesmo que o total de dor no último caso seja muito maior. Em qualquer situação, devemos nos preocupar principalmente com a dor do indivíduo que é o sofredor máximo. Não importa, moralmente falando, o que é ou quem é o sofredor máximo – humano, não humano ou máquina. Dor é dor, independentemente do seu hospedeiro.

É claro, cada espécie é diferente em suas necessidades e em suas reações. O que é doloroso para alguns não é necessariamente para outros. Portanto, podemos tratar diferentes espécies de forma diferente, mas devemos sempre tratar o mesmo sofrimento de forma igual. No caso de não humanos, os vemos explorados implacavelmente pela agroindústria, em laboratórios e na natureza. Uma baleia pode levar 20 minutos para morrer depois de ser violentada com um arpão. Um lince pode sofrer por uma semana com a perna quebrada em decorrência de uma armadilha de dente de aço. Uma galinha mantida em gaiola de bateria pode passar a vida toda sem ter a oportunidade de esticar as asas. Um animal em um teste de toxicidade, envenenado por um produto doméstico, pode permanecer em agonia por horas ou dias antes de morrer.

A simples verdade é que exploramos os outros animais e lhes causamos sofrimento porque somos mais poderosos do que eles. Isso significa que se os alienígenas mencionados anteriormente aterrissassem na Terra e se tornassem muito mais poderosos do que nós – os deixaríamos nos perseguir e matar por esporte, diversão, experiências ou nos criarem em fazendas industriais até nos transformarem em saborosos hambúrgueres? Aceitaremos sua explicação de que seria perfeitamente moral que eles fizessem todas essas coisas, pois não somos da mesma espécie?

Basicamente, isso resume a fria lógica. Se nos preocupamos com o sofrimento de outros seres humanos, logicamente também devemos nos preocupar com o sofrimento dos não humanos. É o explorador insensível dos animais, não o protetor de animais, que está sendo irracional, mostrando uma tendência sentimental de colocar a sua própria espécie em um pedestal. Todos nós, graças a Deus, sentimos uma centelha natural de simpatia pelo sofrimento dos outros. Precisamos pegar essa centelha e ventilá-la em um fogo de compaixão racional e universal.

Tudo isso tem implicações, claro. Se gradualmente trouxermos os não humanos para o mesmo círculo moral e legal que nós mesmos, não seremos capazes de explorá-los como nossos escravizados. Muitos progressos foram feitos com uma nova e sensata legislação europeia nas últimas décadas, mas há um longo caminho a percorrer. Estamos atrasados no reconhecimento internacional do status moral dos animais. Existem vários tratados de conservação, mas nada a nível da ONU, por exemplo, que reconheça os direitos, os interesses ou o bem-estar dos próprios animais. Isso deve, e eu acredito que vai, mudar.

Saiba Mais

Ao longo de mais de 40 anos, Richard D. Ryder influenciou importantes nomes na luta pelos direitos animais e publicou importantes livros como “Victims of Science”, de 1975; “Animal Revolution: Changing Attitudes Towards Speciesism”, de 2000; “A Modern Morality”, de 2001; “Putting Back Into Politics”, de 2006; e “Speciesism, Painism and Hapiness”, de 2011.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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