Se olho para a carne, penso na parte subtraída de um animal

Imagem: Linas Korta/Aitor Garmendia

Se olho para um pedaço de carne, penso na parte subtraída de um animal. Esta parte que posso julgar pequena ou de “pouca significância”, só pode estar ao alcance das mãos por meio de uma imposição que é fim de um todo individual em subjugação massiva.

Se está ali é porque alguém foi trazido ao mundo para ser privado dele sem demora, e tanto a pequena quanto a grande parte dependem do derramamento de sangue, de um corpo mantido invertido.

Pelo óbvio, não posso dizer que não há violência em um pequeno pedaço de carne. Não posso dizer que comer algum tipo de carne “só às vezes” não ajuda a manter matadouros abertos.

Partes não são removidas e permitem que um animal viva. Não existe um suave arrancar de tiras. Sua ausência não permite crescimento, cicatrização ou qualquer restabelecimento. É o que é, um fragmento de finitude, portanto, irrecuperável.

A menor parte consumida também depende de um animal na mesma situação da maior parte consumida. E quantos desses fragmentos um consumidor pode dizer que já comeu? Quem quantifica?

Quando nos alimentamos de animais e a aquisição ocorre por meio do açougue, do supermercado, de produtos que assimilamos ingredientes ou não (por mistura ou imperceção), nos distanciamos de qualquer possibilidade numérica.

Nosso sistema alimentar é dissimulativo, e não posso dizer que muitas pessoas não gostam disso. Estamos aqui e podemos dizer que comemos o que comemos motivados pela disponibilidade, que favoreceu e ajudou a moldar nossos interesses alimentícios.

Porém, é realmente racional e justificável? Eu poderia concordar se nossa vida não fosse possível de outra forma, mas sabemos que é. Às vezes, imagino como seria se contabilizássemos cada produto de origem animal consumido como um animal fenecido. Até onde os números levariam?

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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