
Passou por uma avícola e viu uma fileira de caminhões aguardando a liberação para entrar. Tentou imaginar quanto tempo aqueles frangos teriam antes da morte, já que chegavam ali para morrer. “Não é sempre menos do que podemos imaginar?” Era noite e notou olhares curiosos das aves mirando a rodovia ao lado.
Ou talvez não fosse curiosidade, mas vontade ou outro sentimento que só é possível imaginar, mas sem deixar de situar-se tão próximo da realidade. Ideou-se frango, dentro de uma caixa e, se fosse a si mesmo, nada resumiria melhor essa experiência do que o desespero pela clausura, pela impossibilidade do próprio prevalecimento.
Não era frango, não poderia ser frango, mas por que não imaginar-se frango mesmo que não possa experimentar isso numa forma e consciência não humana? “Pelo menos posso entender que seria terrível, e sendo terrível, não posso querer que alguém viva isso, mesmo na forma não humana que não possuo…”
Recordou-se do paradoxo de Agamben no dizer que somente porque alguma coisa como uma vida animal está separada em seu íntimo do homem, somente porque a distância e a proximidade com o animal foi medida e reconhecida, acima de tudo, no mais íntimo e vicinal, é possível opor o homem aos outros viventes e, mais, organizar a complexa – e nem sempre edificante – economia das relações entre os humanos e os animais.
“Se o mundo do frango é pobre, como diria Heidegger, ele é mais pobre pelo próprio frango, no que tende a ser reduzido como limitações não humanas, ou pela determinação humana?”
Em um dos caminhões, na verdade, não apenas um, alguns pés faziam barulho, arranhando as grades da caixa, como se quisessem que seu fundo se soltasse. Notou as diferenças de personalidade e sentimentos – confiança e desconfiança. Alguns moviam-se de forma agitada, outros apenas observavam.
“Como não dizer que cada um é um indivíduo e seu sujeito que não pode ser o seu próprio sujeito?” E logo mais, o que poderão arranhar? Observou que sempre faltam os pés que são sustentação e reação nas bandejas com frango e nas embalagens de aves congeladas ou resfriadas. Por que não pensar na simbologia dos pés?
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