Esta semana, lendo sobre um animal silvestre que foi morto depois de matar uma mulher sem-teto, lamentavelmente duas realidades de vulnerabilidade, tanto a não humana quanto a humana, pensei na facilidade com que animais de outras espécies, mesmo quando a morte humana não pode ser reparada, são executados. Insiste-se em colocar um fim no animal como se fosse a grande solução. Mas o que continuar matando animais nessas situações diz sobre a relação humana com esses animais?
Perdi as contas de quantas matérias li este ano sobre animais que foram mortos em episódio semelhante; e de casos em que o animal não matou ninguém, mas feriu e fugiu, sendo perseguido por horas até ser morto, como aconteceu com uma onça no Pará. “Temos a percepção humana. E a percepção do outro animal?” Talvez essa pergunta fosse feita por Guimarães Rosa a partir do conto “Meu tio o Iauaretê”.
Esse tipo de ação parece empurrar sobre o animal uma ideia de vilania, e uma ideia antropomórfica. Crê-se ainda hoje que a maneira como um animal mata um humano ou “ataca” (para o outro animal, não pode ser defesa?) é expressão de crueldade, e expressão que passa a ser vista também como o próprio animal – então para extirpar a crueldade extirpa-se o animal.
Mas o que é essa ideia de crueldade senão uma percepção sobre o que é humano e que é atrelada a um animal para justificar seu fim? Se dizemos que isso é cruel significa que o conceito de cruel é o que incorpora esse animal?
Matar um animal depois dele tê-lo matado alguém é imputar algo ao animal, torná-lo condenável e executável, pelo que é reprovável. Não é estranho imputar algo a ele em simultaneidade ao que sobre ele é inconsiderado como sujeito em relação com as possibilidades de vida?
O que torna esse animal matável é sua condição de animal ou a condição humana que é intervenção sobre o viver desse animal? Acredito que muitos dos animais executados por terem ferido ou matado humanos são animais a quem impõe-se um “não lugar”, e por estar nele é pensado como matável, apenas por ser; por ser pensado como o que vive e, se conflitua com outro interesse, um conflito não gerado por ele, deve morrer.