Sobre o estranho hábito de comer animais

Pintura: Dana Ellyn

Fartavam-se num banquete em que todos os pratos tinham carne – “carne solo ou inconspurcada”, como chamavam, e recheados, bolos, tortas e saladas. Tudo repleto de carne, até o que você não imagina.

Entre garfadas apressadas e cortes que atravessavam com violência à carne morta, olhos brilhavam e o êxtase fazia corpos tremelicarem. Definiram como um éden das delícias que só os tolos não gostariam.

“Que maravilha! Que apetitoso!” Quanto mais comiam, mais queriam. Tempo passava e a gulodice perenizava. Em parte, pequena ou maior, não havia problema, porque era banquete de longa duração.

No dia seguinte, a comilança continuou. Massageavam a barriga, mas não sentiam-se mal, e sim numa “plenitude de ledice”. Os mais tímidos recolhiam-se aos cantos para arrotar.

Um rapaz ficou constrangido quando baforou sobre a roseira que num instante morreu. Outros também mataram coisas pra cá e pra lá, a partir das porções sem vida que acumulavam numa pré-digestão indisposta a trabalhar com todo o bolo de libitina.

De repente foram informados de que todo o agrado veio de boa carne de cão e gato. “Isso mesmo, meus amigos! Nada de boi, de porco, de frango, de ovino ou caprino. Somente cão e gato, animais que confinamos, agradamos e alimentamos com o que há de melhor. E por que podemos? Porque oferecemos um sistema seguro de bem-estar animal e abate humanitário”, disse o anfitrião.

Viu indignação e cólera. Alguns ameaçaram atacá-lo. “És um louco, desalmado. Como pode ser tão cruel?” “E pacífico é comer a carne de outros animais? Quais membros tem um cachorro ou gato que não tem um boi ou porco? Não são de quatro patas, com cabeça, olhos, boca, narinas e orelhas? O que um sente que noutro é ausente?” “És um verme! Um imoral!”

“Que há de errado em ser um verme? Este não alimenta-se das coisas que rejeitamos? Não é criatura de equilíbrio ecológico e, por extensão, social? Sobre ser imoral, não seria eu também por comer um, ainda que não outro? Se me sinto confortável com a seletividade determinada por maneiras de convivência e conveniência é porque olho apenas para os animais que não remexem no bolo do meu estômago.”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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