Nossa sociedade está tão imersa na legitimação da arbitrariedade que quando um animal se defende de um ataque humano a reação mais usual é julgar que o animal atacou o humano, ou pelo menos dar muita ênfase nisso, como se este não o tivesse atacado. Assim, faz parecer de alguma forma, fundamentada em realidade artificiosa, que a vítima é o humano “atacado” pelo animal.
Ignora-se que, na maioria das vezes, o ser humano é morto por animais silvestres porque assume riscos tolos, vis e desnecessários. Ainda assim, o número de ataques de animais a seres humanos nem se equipara ao oposto.
Nenhuma outra espécie subjugou tantas outras
Afinal, nenhuma outra espécie subjugou e dizimou tantas outras na história do planeta. Domesticamos mais de 90% dos grandes animais, eliminamos cerca de 75% dos mamíferos há 15 mil anos, conforme informações do livro “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Noah Harari; e mesmo com o surgimento da civilização, continuamos matando muitos animais silvestres.
Ainda hoje compartilhamos o mesmo planeta, país, estado ou cidade com pessoas que simpatizam com a caça esportiva ou admiram troféus de caça. Ou pelo menos concordam com a chamada “caça de conservação” ou “controle populacional”.
O que também não deixa de ser um pretexto para a matança se quem a pratica sente prazer em exercê-la – orgulha-se em exibir suas armas, “seus cães” de rastreamento ou captura; que podem nem mesmo retornar depois de condicionados a tomarem parte na barbárie, na contumácia da incivilidade.
Quem é uma ameaça para quem?
Há também aqueles que defendem o consumo de “carne de caça”, como se um retorno a um suposto estado primitivo aproximasse o ser humano de qualquer vocação, que nada mais é do que uma obstrução moral e uma distorção historicamente social de diferenciação contextual; e que sobretudo não faz sentido na realidade em que vivemos, considerando disponibilidade de alimentos.
Assim defende-se não apenas a violência contra animais domesticados, mas também contra aqueles que do ser humano prezam pela distância evocada pela própria natureza e razão de estar no mundo.
Como se não bastasse, domesticamos e modificamos geneticamente muitos outros para matar aos milhões e bilhões por ano para consumo. Sendo assim, quem ataca e quem abusa de quem? Quem é uma ameaça para quem?