Somos estúpidos com os animais

Robert Musil aborda as facetas da estupidez e, sem demora, transito do seu universo subjetivo para outro, porque reconheço por trás de nossos hábitos uma variedade indefinível de estupidez.

Por exemplo, como posso dizer que não somos estúpidos com os animais se, numa percepção diversa da estupidez, o que fazemos é atribuir estupidez a quem tratamos com estupidez?

A estupidez é polissêmica. Não é apenas sobre limitações, exasperações julgadas irracionais ou truculências, embora possa ser também sobre os evocativos da violência, naturalizados pela associação de estupidez que usamos como instrumento de anuência de indignidade e sujeição.

Mas se vemos um animal como estúpido, logo julgamos que não há como se pensar em indignidade em relação as suas próprias condições, porque não o vemos como alguém que deva aspirar dignidade, e pelo fator da diferença que também serve aos nossos anseios de manipulação. E o que dizer do vazio da sujeição que surge pelo não reconhecimento dele como sujeito?

Há então um paradoxo, porque a estupidez, intrínseca à exploração aplicada a quem não tem direito de optar por não ser explorado, e serve à inferiorização e à crença dos “valores menores”, é atribuída a alguém que não é tratado como alguém, embora seja reconhecido dessa forma quando considerado “estúpido”.

Afinal, não podemos reconhecer estupidez onde não há vida ou, no mínimo, não pode ser gerada pelo que não tem vida. Mesmo uma capacidade de reação ou de contrariedade ao que pode ser percebido como o oposto, ou seja, uma “não estupidez”, é, por conveniência, definida como “estupidez”.

Assim, a ideia da estupidez também é usada como armadilha. Pode ser sobre as limitações que reivindicamos para nossos interesses de uso e abuso de animais, porque disso depende também um não olhar em relação ao outro que sujeitamos como “estúpido”.

Claro que, de alguma forma, todos somos dotados de estupidez, mas não achamos interessante uma atribuição que possa identificar-nos como estúpidos, como se parte do nosso ser.

Porém, em relação aos outros, que esforço fazemos para que não sejam classificados como estúpidos se isso serve aos grilhões em que queremos mantê-los?

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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