Sou contra o sacrifício religioso de animais

Que responsabilidade tem um animal não humano sobre as inclinações religiosas humanas? (Foto: Getty)

Sou contra o sacrifício religioso de animais. Se a defesa da liberdade religiosa perpassa pelo assassinato de animais, realmente não sou favorável a isso. Há pessoas que justificam contrariedade à defesa da proibição da prática alegando preconceito, racismo, instrumento de opressão, etc. Então isso significa que há grupos, que por serem oprimidos, deveriam ter o direito de sacrificar vidas? E que se eu me posicionar contra estou sendo opressor?

Me desculpe, mas não concordo com esse raciocínio. Nos últimos anos, publiquei algumas matérias sobre os abates kosher e halal, e muitas pessoas que hoje qualificam a proibição do sacrifício de animais em religiões de matrizes africanas como arbitrária e inconstitucional sempre condenaram tanto o abate halal quanto kosher – que são abates rituais e sacrificiais.

Eu poderia citar muitas pessoas que anseiam por esse tipo de proibição em países de minoria muçulmana. Seguindo esse raciocínio, isso também não seria se opor à tradição de uma minoria? Considere também o fato de que o abate halal e kosher, ainda que sacrificiais, estão vinculados estritamente ao consumo, não a oblações, oferendas.

Que responsabilidade tem um animal não humano sobre as inclinações religiosas humanas? Nenhuma. Mas muitas pessoas, na tentativa de justificar a sua oposição à proibição, alegam que os católicos consomem animais “sacrificados” nas celebrações de Páscoa, Natal, etc.

Bom, não me alimento de animais, então não estou sendo hipócrita ao condenar qualquer tipo de matança de animais para qualquer finalidade que seja. Não vejo como matar animais, ceifar vidas de criaturas vulneráveis e inocentes, ainda que com viés religioso, possa inspirar algo de bom, e isso independente de qual seja a religião.

Então alguém pode dizer que a ideia da proibição do sacrifício de animais no Brasil surgiu anos atrás a partir de uma iniciativa de um grupo pentecostal. Certo, mas isso muda o fato de que sacrificar animais é errado? Muitas das leis de proteção animal ou de proibição de determinadas violências contra animais que existem no mundo hoje não foram feitas por vegetarianos nem veganos, e não duvido que algumas tenham surgido a partir de algum interesse. Porém, isso as qualifica como arbitrárias ou irrelevantes?

Claro que há hipocrisia quando uma pessoa se alimenta de animais e condena o sacrifício religioso de animais. Afinal o que muda nesse aspecto são apenas os métodos e finalidade, até porque para quem morre não interessa o propósito, mas sim a obliteração da vida.

E se eu for usar o discurso do tipo: “de que adianta acabar com o sacrifício de animais enquanto bilhões de animais são mortos por ano para consumo?”, isso acaba esbarrando em uma consciência fatalista, na crença de que o pouco é nada diante da imensidão exploratória em que estamos imersos. Mas eu não sou fatalista, então não concordo com esse raciocínio.

Também não acho adequado usar o discurso de que o animal não sofre durante o sacrifício, porque isso pode soar como uma anuência ao ilusório “abate humanitário”. Ademais, considero adequado apontar que a recente decisão que valida o sacrifício de animais no Brasil prevê apenas o sacrifício no contexto das religiões de matrizes africanas – ou seja, não inclui todas as religiões.

Se alguém diz que o exercício de uma religião depende do sacrifício de animais, e que isso é insubstituível, há algo de muito errado com essa religião ou pelo menos com essa concepção. Se você discorda da minha posição, sem problema, mas espero que você não seja uma daquelas pessoas que compartilham vídeos e textos que condenam abates rituais ou sacrifícios realizados por outras religiões que não sejam de matriz africana.

Atualmente, há tantas pessoas condenando a exportação de gado vivo para o Oriente Médio, e muitas apontam como um dos principais problemas o fato de que esses animais serão mortos seguindo os preceitos do abate halal que, como citei antes, é um abate religioso. Então sejamos ponderados em nossas inclinações, predileções e contradições.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

3 respostas

  1. Como ateia eu sou contra religião e religiosidade (se alguém ler isto, não represento todos os ateus do mundo). Atrasa, dogmatiza, cega as pessoas.
    Mas achar que o movimento vegano pode se sobrepor ao movimento negro é racismo. Qualquer um é bem capaz de ver o racismo ver institucionalizado se escutar a voz dos pretos que o sofrem, ainda mais pelo seu grau de discernimento das coisas da vida (uma compreensão até maior que a minha).
    Eu sei que você conhece os trabalhos do Movimento Afro Vegano e mesmo de mulheres acadêmicas como Sabrina Fernandes: o veganismo branco precisa abrir os olhos para o movimento negro, vegano e não vegano. Pq não existe veganismo aliado ao racismo- institucional ou não, e ao machismo.
    Matar animais por delírio coletivo (leia: religião) não faz sentido em âmbito algum, especialmente no mundo moderno já tão provido de respostas aos diversos questionamentos que na antiguidade só podiam ser respondidos pelo sobrenatural. Temos Ciências e devemos usá-las a nosso favor enquanto sociedade que se constrói.
    E as sociais mostram explicitamente a quem for capaz de ver, que nesse caso, em território brasileiro, a condenação não é à prática meramente, é uma condenação ao povo preto, sejam eles ateus, cristãos, budistas, muçulmanos ou do axé.

    E um ponto irrefutável: Lei volta atrás. É revogada, é reescrita e passa a vigorar com nova redação. Cultura quando muda não volta atrás. Eu e você jamais voltaremos a comer carne ou achar bonito o abate de animais sob qualquer pretexto. Mas se isso fosse uma imposição estapafúrdia de alguém que nos odeia, teríamos ainda mais motivos para salvaguardar nossa tradição e menos motivo para adotar a cultura colonizadora.

    Eu condeno a prática tanto quanto qualquer vegano, preto ou branco, teísta ou ateu. Mas condeno muito mais a asquerosa bancada evangélica que faz de tudo para impor sua supremacia religiosa e imoral por vias legais, esmagando a liberdade democrática.
    Que mudemos a Cultura, as pessoas. A lei não vale sem essa mudança, ainda mais quando é construída dentro de uma narrativa racista e cristã.

    Não desviemos o foco do genocídio católico da Páscoa e bora compartilhar notícias, memes e informações até chegar na feriada do “povo de bem, povo de Deus”?

    Cordialmente,

    Elisa.

  2. Eu senti falta do texto abordar exatamente o ponto que alguns veganos estão levantando para justificar como correta a decisão do STF: a lei seria parcial (só abrangeria as religiões afro) pois o natal e a páscoa estão passando batidos com o peru e peixe que continuariam sendo consumidos. Ao meu ver, existe uma diferença entre o natal/páscoa para as práticas rituais dessas outras religiões. Comer o peru em si não é um ritual de natal, as empresas que fazem propaganda e assimilam essas coisas pra conseguir vender. Se uma pessoa não comer o peru no natal não faz a menor diferença, pois não existe respaldo nenhum religioso que diga que o cristão precisa comer o peru no natal. A mesma coisa para a páscoa com o peixe. Na páscoa o cristão não precisa necessariamente comer peixe, mas sim deixar de comer carne. Como a grande maioria não vê problemas em comer animais e muitos inclusive acham que é necessário, automaticamente fazem essa substituição por uma questão supostamente nutricional, mas não um ritual. Diferente dessas práticas estão os verdadeiros RITUAIS religiosos, onde os animais são sacrificados para servirem como oferendas religiosas e não com o objetivo principal de consumo (ainda que sejam consumidos depois, o que até onde sei não é regra de todos os locais). Grande parte da sociedade ainda vê como justificativa a morte de animais para alimentação, mas considera errado outros tipos de práticas (entretenimento, religião etc). Acredito que a lei era algo correto através da motivação errada. Motivação racista de uma bancada corrupta e bizarra, sem dúvidas. Porém, como disse acho 100% correto que os animais não devessem mais ser sacrificados por motivos religiosos.

  3. A questão é não matar, torturar ou comer animais, independente de cor ou religião. Nada justifica a crueldade animal e o sofrimento.

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