Boi que caiu no fosso

Um boi fugiu do matadouro e caiu no fosso. Havia tanto medo que quando tentaram içá-lo começou a comer a terra do fundo do buraco. Queria atravessar doutro lado, apenas fugir da humanidade. Olhos brilhavam no escuro – como par de lanternas. Ele continuava comendo, comendo a terra sem parar. Seu corpo se movia e […]

Mate Coma

Inauguraram uma lanchonete fora da cidade. Mate Coma. Ioan e Colomano percorreram pouco mais de 15 quilômetros até chegarem ao local. Boa vegetação nativa nos entornos, arborismo, tirolesa, frescor; cães, gatos e coelhos brincando às margens de uma lagoa. — Que demais esse lugar! – disse Ioan. — Show mesmo! Não conhecia isso aqui – […]

O luto dos cães

Uma senhora vizinha morreu, segundo dois cães mestiços que tentavam invadir a casa. Latiam sem parar depois de deixar marcas de garras na porta da cozinha. Esculpiram emaranhado de riscos, sincretismo de sentimentos. Sentiram sua ausência antes de testemunhá-la morta, caída na cozinha, vítima de AVC. Cavaram no quintal, na ingênua tentativa de chegar até […]

Gado que não valia o matadouro

Esquentou tanto que uma bola de fogo se formou no centro do campo, onde o gado já não pastava porque tinha morrido de fome. Falaram que não valiam o matadouro. “Um tipo de justiça divina”, outros disseram. Arrastei a sola pela terra e pude sentir pedaços de ossos cobertos pela gramínea seca e amarelecida – […]

Bois não sonham em virar bife

Era 1951 na Água do Cedro. Tertuliano tinha chegado há pouco tempo do interior de São Paulo para atuar como motorista de caminhão; buscar mantimentos para três casas de secos e molhados. Era “meio aéreo”, como diziam, e sempre que tinha tempo livre, sentava na cabine do caminhão, apoiado sobre o painel escrevendo em um […]

Não mate o Boi Velho

Boi velho viveu por 31 anos em um sítio perto do Povoado de Cristo Rei. Seu nome era Bolgar, mas passou mais da metade de sua vida sendo chamado de Boi Velho. Sim, muita gente acreditava que ele nasceu velho. Bolgar era manso, tão manso que as crianças que viviam na região saíam até uma […]

Mãe e filho

A criança chorava, forçada a ficar longe da mãe. Claro que não queria, mas não tinha forças para fazer a vontade prevalecer. A mãe também tentou se aproximar. Não adiantou. Correu para alcançar o filho. Tarde demais. Manteve olhos no horizonte, vendo o caminhão se afastar com a criança na carroceria. Enquanto a seguravam, parecia […]

A efêmera poesia do efêmero (e o direito de viver)

Quando criança, um dia perguntei à minha mãe o que significa efêmero. Ela não respondeu. Dois dias depois, fomos até um riacho. Em meio à relva, havia um inseto parecido com uma libélula. Se movia com leveza enquanto sua sofreguidão se harmonizava com a água se chocando contra as rochas. Seu corpo era amarelo, marrom […]

A vida animal de Bravo

A gente se divertia todos os dias. Quem? Eu e Bravo. Quando queria brincar, ele sempre esfregava o focinho macio no meu joelho. É, não o conheci, mas imagino como está se sentindo. Bravo reconhecia sons, identificava todo mundo que chegava. Adorava música. Eu colocava Mogwai pra ele antes de dormir. Se acostumou e já […]

Você já foi a uma pequena fábrica de chouriço?

Alexandre Dumas escreveu no “Grand Dictionnaire de Cuisine”, de 1873, que o chouriço de porco tem, em todo o caso, todas as más qualidades desse animal, e a maneira como é preparado o torna ainda mais indigesto. Permita-me discordar. Creio que o chouriço carrega a tradição sedimentada na centelha da barbárie, e esta não diz […]