Toda hora tem boi a caminho da morte

Foto: TNP

Um percurso de criaturas pacíficas num momento pacífico? E vão lado a lado, como se assim desejassem, roçando pelo curto. Todo dia passam por ali, não esses, porque quem vai, vai só uma vez. Mas quem vê, sem ver, pode achar que é repetição. Mas é repetição, de situação, de outros que se vão.

Os passos são saudáveis num corpo saudável, logo mais violentado. Antes não era violentado? Depende do que se entende por violência. Numa amplitude, as possibilidades são múltiplas – numa percepção rasa, é mais afunilada pela conveniência. E é esse funil que os animais atravessam. Quem vê?

É ordem pra viver e depois pra morrer. Onde fica o processo de estranhamento? No irreconhecimento. A passagem dos bovinos ainda parece pacífica, tem céu e luz natural sobre suas cabeças – e o concreto no entorno. Já existe uma fronteira como barreira. E quando não existe?

Nada fora dali pertence mais ao seu mundo. Qual é seu mundo? E não demora até o céu desaparecer. Lá dentro, o cheiro é intenso, pode arder, impregnar. Tem vida chegando e morte saindo. Quem entrou já não levanta. Um caminhão sai cheio – e os corpos balançando protegidos com plástico grosso. Já tem destino. Quando não tem?

É fresco lá dentro, diferente do calor do caminhão que carrega corpos vivos. Imagino como seria se a carne tivesse cheiro de matadouro, não só do ambiente, mas do concentrado de acúmulo de experiências. E se dores e emoções se transformassem em aromas em impossibilidade de eliminação?

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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