Tolstói: “Já que se come carne, é preciso ver como matam os bois”

“As portas abertas do matadouro ajudavam a amplificar o odor nauseante de sangue quente” (Acervo: Tolstoy Foundation)

Em uma sexta-feira, o escritor russo Liev Tolstói foi a Tula, ao sul de Moscou, encontrar um amigo que ele considerava bondoso e sensível. Durante a conversa, pediu que o acompanhasse até um matadouro. O homem concordou em conhecer as instalações, inclusive admitindo curiosidade, porém deixou claro que não entraria no local se os animais estivessem sendo abatidos. “E por que não? Precisamente, é isso que quero ver. Já que se come carne, é preciso ver como matam os bois”, argumentou Tolstói.

O amigo, que também era caçador, logo um matador, declinou a proposta, mas acabou concordando. Quando chegaram ao matadouro, notaram um odor intenso e repugnante de putrefação. O mau cheiro aumentava conforme eles aproximavam-se do edifício de tijolos vermelhos com cúpulas e longas chaminés.

“Entramos pela porta da garagem. À direita, há um grande pátio cercado, que tem uma área de um quarto de hectare. Ali é onde duas vezes por semana amontoam o gado vendido. A portaria fica na extremidade desse pátio. À esquerda, há dois prédios com portas ogivais. O pavimento é de asfalto, forma um duplo declive; e contém aparatos para pendurar os bois mortos”, observou o escritor russo.

Diante da portaria, eles viram seis açougueiros sentados. Estavam com os aventais ensanguentados e as mangas arregaçadas, exibindo braços musculosos. Como o expediente terminara há 30 minutos, eles descansavam. As portas abertas do matadouro ajudavam a amplificar o odor nauseante de sangue quente. Lá, viram um pavimento turvo e brilhante. Em suas valas, havia sangue coagulado.

“Um dos açougueiros nos explicou de que modo são mortos, e nos mostrou o lugar em que acontece tal operação. Não a compreendi de todo, mas ao contrário do que eu pensava, a realidade teve mais impacto sobre mim do que a minha imaginação”, admitiu Liev Tolstói.

Referência

Tolstói, Liev. O Primeiro Passo (1892).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *