Transportando vacas para o matadouro

Foto: Aitor Garmendia/Tras Los Muros

Transportando vacas para um pequeno matadouro, ouviu som abafado vindo da carroceria. Não era sua função checar os animais, principalmente em viagens curtas. Mas, incomodado, parou no acostamento e desceu.

Abriu a carroceria, subiu e os observou. Na escuridão, que oscilava com a chegada e partida da luz dos faróis, viu seis pares de olhos em sua direção.

Fez a contagem e estranhou. No fundo, um dos animais estava morto, caído de lado com as patas traseiras sobrepostas – formando um x.

Tocou sua pele, virou sua cabeça, iluminada com a lanterna do celular, e observou dois olhos vítreos, vazios. A língua da vaca ainda pingava grosso no assoalho, onde deixou vestígios de agonia.

Viu também que seus cascos fizeram riscos no chão, e apontavam para a saída. “Como se fossem feixes.” As tetas estavam murchas. Pareciam bexigas esticadas e amassadas despontando num bolsão judiado.

Os outros animais continuavam olhando para ele. Não miravam a vaca e não entendeu o que aquilo poderia significar. “O que querem de mim? O que esperam de mim?”, pensou sem externar palavra.

Mudou a vaca de posição, que transmitia desconforto mesmo num corpo sem vida, e a cobriu com um pedaço de lona escura. Logo percebeu que o único som na carroceria vinha dos seus movimentos. Isso o incomodou porque era como se os outros animais fossem feitos de silêncio.

“Ou era apenas minha incapacidade de ouvir o que não era sobre mim? Mas como então ouvi antes o som que vinha da carroceria? Será que sou capaz apenas de ouvir o sopro ou o gemido da morte, quando já incapaz de adiá-la? E esses outros que estão vivos? Bom, mas é deles que não ouço nada…”

De repente, reconheceu o remorso pela morte da vaca, por não ter reagido ao seu sofrimento, e lembrou que as outras logo morreriam.

“E se tivesse evitado sua morte, que ‘salvador’ seria quando a entregasse para ser esfolada?” Olhou de novo para as vacas. Ainda mantinham os olhos em sua direção. “Pareciam bem maiores e mais luminosos.”

Desceu da carroceria, mirou um pasto vazio a perder de vista e sentiu cheiro de capim novo. “Para onde vamos?”

 

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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