Transportando vacas para um pequeno matadouro, ouviu som abafado vindo da carroceria. Não era sua função checar os animais, principalmente em viagens curtas. Mas, incomodado, parou no acostamento e desceu.
Abriu a carroceria, subiu e os observou. Na escuridão, que oscilava com a chegada e partida da luz dos faróis, viu seis pares de olhos em sua direção.
Fez a contagem e estranhou. No fundo, um dos animais estava morto, caído de lado com as patas traseiras sobrepostas – formando um x.
Tocou sua pele, virou sua cabeça, iluminada com a lanterna do celular, e observou dois olhos vítreos, vazios. A língua da vaca ainda pingava grosso no assoalho, onde deixou vestígios de agonia.
Viu também que seus cascos fizeram riscos no chão, e apontavam para a saída. “Como se fossem feixes.” As tetas estavam murchas. Pareciam bexigas esticadas e amassadas despontando num bolsão judiado.
Os outros animais continuavam olhando para ele. Não miravam a vaca e não entendeu o que aquilo poderia significar. “O que querem de mim? O que esperam de mim?”, pensou sem externar palavra.
Mudou a vaca de posição, que transmitia desconforto mesmo num corpo sem vida, e a cobriu com um pedaço de lona escura. Logo percebeu que o único som na carroceria vinha dos seus movimentos. Isso o incomodou porque era como se os outros animais fossem feitos de silêncio.
“Ou era apenas minha incapacidade de ouvir o que não era sobre mim? Mas como então ouvi antes o som que vinha da carroceria? Será que sou capaz apenas de ouvir o sopro ou o gemido da morte, quando já incapaz de adiá-la? E esses outros que estão vivos? Bom, mas é deles que não ouço nada…”
De repente, reconheceu o remorso pela morte da vaca, por não ter reagido ao seu sofrimento, e lembrou que as outras logo morreriam.
“E se tivesse evitado sua morte, que ‘salvador’ seria quando a entregasse para ser esfolada?” Olhou de novo para as vacas. Ainda mantinham os olhos em sua direção. “Pareciam bem maiores e mais luminosos.”
Desceu da carroceria, mirou um pasto vazio a perder de vista e sentiu cheiro de capim novo. “Para onde vamos?”
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